Depois de duas semanas de negociações tensas na COP 20, em Lima, as delegações de 196 países aprovaram o “rascunho zero” de um futuro acordo global do clima depois que as nações mais ricas fizeram concessões.
O documento aprovado na madrugada deste domingo (14) ressalta a culpa histórica de emissões de gases-estufa, o que atribui aos países desenvolvidos mais responsabilidades em comparação aos países em desenvolvimento.
O acordo climático global deve contemplar diversas ações para conter o aumento da temperatura do planeta e, com isso, frear os efeitos da mudança climática.
O “Chamamento de Lima para a Ação sobre o Clima”, título dado ao documento, foi aprovado por consenso à 1h24 (4h24 no horário de Brasília) na Conferência das Nações Unidas. A aprovação aconteceu um dia e meio depois da data prevista para terminar a cúpula. A falta de entendimento em vários pontos atrasou o fim do encontro.
Principais decisões – O texto decide sobre três diferentes focos de negociação. O primeiro, a criação de elementos-chave que farão parte do novo acordo: medidas para conter o aquecimento global como corte de emissões, redução do desmatamento, inovações nas indústrias, investimentos em energias renováveis e etc. Ainda não há definição sobre isso e o tema voltará a ser discutido no ano que vem.
O segundo foco é a determinação do tipo de metodologia que os países seguirão para formular suas metas de redução de emissões, as chamadas Contribuições Intencionais Nacionais Determinadas (INDCs, na sigla em inglês). O resultado acordado diz que os países terão obrigação de apresentar apenas propostas de mitigação e, se quiserem, podem incluir dados sobre adaptação. As informações terão que ser entregues à ONU até outubro de 2015.
O terceiro ponto pede aos países desenvolvidos que tomem iniciativas para conter sua poluição entre 2015 e 2020, período que antecede o novo acordo. Não houve um resultado forte sobre esse assunto, tanto que o texto usa o jargão diplomático “encoraja” e não “decide”. Nesse caso, o “rascunho zero” pede a análise de oportunidades ambiciosas para conter o lançamento de gases para a atmosfera.
Esse conjunto de informações será a base para a criação de um plano mundial a ser firmado em 2015, em Paris, e que entrará em vigor em 2020. O novo tratado será obrigatório a todos os países e deverá impactar diversos setores econômicos. Seu objetivo principal é evitar que a temperatura do planeta aumente mais que 2ºC até o final deste século.
Caso nada seja feito, cientistas preveem uma maior ocorrência de fenômenos extremos como secas, enchentes, degelo dos polos e aumento do nível dos mares. A temperatura média da Terra já subiu 0,85ºC em relação à era pré-industrial.
Negociações ficaram travadas – O principal impasse na COP 20 referia-se ao princípio de diferenciação das responsabilidades dos países em conter a emissão de gases-estufa. Em uma das plenárias realizadas, ficou evidente o confronto entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
China, Brasil, Índia e África do Sul, os emergentes, não concordavam com a abordagem apresentada em um rascunho anterior ao aprovado. Já Estados Unidos, União Europeia e Rússia, a parte rica, concordavam com o texto.
No rascunho definido nesta madrugada, esse princípio foi melhor referenciado, deixando claro que no novo acordo será levada em conta a culpa histórica de emissões.
Outro alvo de reclamação do grupo de países em desenvolvimento, o mecanismo de perdas e danos voltou a ser mencionado no texto, após os países ricos cederem. Criado na conferência de Varsóvia, em 2013, ele prevê ajuda a países vulneráveis já atingidos por desastres naturais. No entanto, o rascunho não detalha como esse instrumento vai funcionar.
Para o embaixador José Antonio Marcondes, principal negociador do Brasil, o texto aprovado na COP 20 é equilibrado, mas ainda não o ideal.
Elementos do novo acordo – Definidos e aprovados como anexo da decisão principal de Lima, os elementos vão nortear os negociadores na hora de estruturar o novo acordo ao longo do próximo ano.
Sua criação foi determinada na África do Sul, em 2011, dentro do instrumento chamado de Plataforma de Durban. Estão marcados quatro encontros para discutir o tema, sendo que o primeiro será em Genebra, em fevereiro, e o último em Paris, em dezembro, na COP 21.
O material de 37 páginas é considerado importante porque, sem eles, não é possível dialogar com setores econômicos e se chegar a compromissos para o clima no pós-2020.
O documento traz medidas que devem ser feitas nas áreas de mitigação (diminuição de emissões de gases-estufa), adaptação à mudança do clima, financiamento a tecnologias limpas e aplicação de recursos em países vulneráveis, entre outros assuntos. Todo o conteúdo está em aberto, ou seja, ainda não há conclusão sobre o que terá de ser feito.
Os temas foram separados em tópicos, com várias opções de planos. Ao longo das conversas diplomáticas, os itens vão sendo eliminados até que reste a proposta definitiva do acordo do clima.
Decisões complexas – Um exemplo do nível de complexidade do documento pode ser visto na parte referente ao corte de gases (mitigação). Há três elaborações diferentes para o tema.
A primeira opção diz que é preciso frear o aumento da temperatura em 2ºC e 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais com o corte de emissões globais entre 40% e 70% até 2050, baseado nos níveis de 2010. Há ainda uma meta de zerar os gases emitidos até 2100.
Em outra opção, as partes terão que reduzir o lançamento de gases conforme sua capacidade e as emissões globais terão que atingir seu pico “o mais breve possível”, sem definir uma data e números. Além disso, diz o documento, os países terão que investir em tecnologia e oferecer financiamento a nações em desenvolvimento, a fim de apoiar ações de mitigação e adaptação.
A terceira opção diz apenas que os países sigam o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” para alcançar uma meta para conter as emissões e o aumento dos termômetros. Uma alternativa considerada simplificada.
Finanças e proposta do Brasil – O conjunto de textos contempla também informações sobre a adaptação aos efeitos da mudança climática e perdas e danos (mecanismo que compensa nações que já sofrem atualmente com desastres naturais).
A parte do rascunho sobre financiamento, assunto mais delicado nos diálogos sobre o clima, tem seis páginas e tenta definir como os países desenvolvidos e em desenvolvimento vão mobilizar dinheiro para investimentos a longo prazo.
Também será levada para as discussões do próximo ano a proposta brasileira de diferenciação concêntrica, que tenta melhorar o princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
O conceito coloca os países em três níveis, cada um deles com um “menu” de critérios para diminuir as emissões. Nações desenvolvidas ficariam no círculo central e teriam que fazer cortes em todos os setores da economia. Os emergentes, como Brasil, China e Índia, ficariam no segundo nível, com mais opções para frear o aquecimento. Países vulneráveis, como os Estados-ilha, não empreenderiam grandes ações e estariam no terceiro nível. (Fonte: G1)