O jovem operário Vladimir Evdochenko estava trabalhando na usina nuclear de Chernobyl na madrugada do dia 26 de abril de 1986, quando sentiu um terrível tremor, parecido com um terremoto.
Ele até então não sabia, mas aquele era um dos efeitos da explosão do reator número 4, cuja temperatura do núcleo ultrapassou os 2.000 graus, o que fez voar pelos ares o teto da usina, de 1.200 toneladas, deixando escapar para atmosfera uma radiação superior a 500 bombas como a de Hiroshima.
“Eu tinha 33 anos. Como todos os dias, um ônibus me buscou em minha casa, em Chernobyl, a 18 quilômetros da usina, e me levou ao meu posto de trabalho com meus dois companheiros, Alexander Agulov e Vladimir Palkin”, contou enquanto mostrava uma foto dos três, um pouco amarelada pelos efeitos da passagem do tempo.
Estava sendo então realizado um experimento para comprovar a capacidade do turbo gerador de seguir abastecendo o sistema de refrigeração caso ocorresse uma interrupção do fornecimento de energia exterior.
“Era um programa que tinha sido proposto a todas as usinas nucleares da União Soviética, mas só a nossa tinha aceitado, e houve uma série de erros de segurança”, afirmou Vladimir.
Durante dois dias, a potência do reator quatro foi reduzida ao mínimo. Depois, os operários tinham que esperar a ordem para aumentá-la. “No entanto, o iodo radioativo foi se acumulando sob o reator e quando chegou a ordem tudo se descontrolou”, revelou.
“Tudo tremeu, como um terremoto. Abri a porta e olhei em direção ao reator número 4, a cerca de 50 metros, e vi que lá não havia luz. Do teto caíam gotas de água, havia vapor”, continuou.
Depois, um engenheiro lhe informou sobre o acidente e Vladimir foi encarregado de ir ao reator 4 buscar Valeri Jodemchuk, o único trabalhador da usina que morreu nesta noite e cujo corpo jamais foi encontrado. O caminho até o local, porém, estava bloqueado pelos escombros e destroços da explosão.
Um simples memorial construído no interior da usina de Chernobyl, com uma lápide e uma placa, homenageia o trabalhador, a primeira vítima do acidente. Mas houve várias outras ao longo do tempo.
Vladimir lembrou de dois operários responsáveis por fazer consertos nas estruturas, de sobrenomes Golovotiuk e Kornienko. Eles saíram para inspecionar os arredores do reator, onde havia grafite e uma altíssima radiação. “Um deles já não está conosco e o outro também não sei se segue vivo”, declarou.
A madrugada foi caótica e os trabalhadores aguardavam por instruções. Foi recomendado que eles tomassem pastilhas de iodo para proteger a tireoide, mas não havia nenhuma no estoque.
“Portanto, tirei do kit de primeiros socorros o iodo para os ferimentos e coloquei várias gotas em um copo de água. Era um líquido horrível, mas nós o bebemos. Talvez por isso, durante 20 anos, não tive problemas com a tireoide. Só recentemente eles começaram”, disse Vladimir.
Antes de ir para a casa de manhã, Vladimir passou por um exame de sangue, feito por enfermeiras que vieram de Pripiat. Ele ainda lembra dos companheiros fazendo filas, alguns ainda sem ter se lavado, contaminados e vomitando pelos efeitos da radicação.
Já no ônibus, somente ao se afastar da usina, Vladimir teve noção da destruição provocada pelo reator número 4. “Me disseram que iriam evacuar toda a região”.
Vladimir chegou em casa, tomou um banho e ficou no jardim para não contaminar os filhos de nove e três anos. Dormiu algumas horas do lado de fora e, ainda durante a noite, voltou ao ponto de encontro, porque outro ônibus teria que buscá-lo. O veículo, porém, nunca apareceu.
“Alertei os vizinhos para que não deixassem as crianças saírem para rua. Na segunda-feira, dois dias depois, peguei o carro e levei minha família a Kiev. Depois, voltei a Chernobyl para retomar o trabalho, mas não deixaram. Disseram que eu tinha recebido muita radiação”, contou o ex-operário.
No hospital da capital ucraniana, os médicos constaram que Vladimir tinha recebido uma “dose” de 150 roentgen, quando o aceitável é apenas 5. Vários anos depois, ele foi declarado como incapaz para trabalhar.
A cidade de Chernobyl, que tinha 12 mil habitantes, só foi evacuada no dia 5 de maio. Antes, as pessoas foram normalmente às ruas para o tradicional desfile do dia 1º de maio.
“É uma cidade muito bonita, com seu rio, muitos peixes, cogumelos. Meus pais estão enterrados lá, por isso volto todos os anos. Mas está perto da usina. Teria sido muito melhor que lá houvesse um campo verde em vez de um reator. Muito melhor”, concluiu Vladmir. (Fonte: G1)