A produção nacional em cativeiro de ostras, vieiras e mexilhões corre riscos devido à infestação de um verme anelídeo da classe Polychaeta, chamado Polydora hoplura, uma espécie invasora natural do oceano Pacífico. É o que alertam os biólogos Álvaro Migotto, do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, e Vasily I. Radashevsky, especialista mundial em poliquetas, do A.V. Zhirmunsky Institute of Marine Biology, de Vladivostok, da Rússia.
Migotto e Radashevsky identificaram a presença da poliqueta P. hoplura em ostras selvagens coletadas em Ilhabela, litoral norte do Estado de São Paulo. É a primeira vez que se constata sua presença no Atlântico Sul. O estudo acaba de ser publicado no periódico Marine Biodiversity. Radashevsky veio ao Brasil graças ao Auxílio à Pesquisa – Pesquisador Visitante da FAPESP.
A constatação da presença de Polydora no Brasil é uma ameaça em potencial para a aquicultura de ostras em Santa Catarina. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado produziu 21,65 mil toneladas do molusco em 2014, ou 98% da produção brasileira. De acordo com Migotto, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina já confirmaram a presença de poliquetas nos plantéis de ostras catarinenses, mas ainda não se sabe quais seriam as espécies de Polydora, nem os possíveis impactos negativos que elas poderiam causar a esses cultivos.
Mas como a Polydora chegou ao nosso litoral? E de que forma sua presença ameaça a aquicultura de ostras de Santa Catarina? P. hoplura é uma das dezenas de espécies do gênero Polydora. Trata-se de vermes perfuradores de conchas, que escavam pequenos canais na estrutura calcária das conchas de moluscos para ali se instalar e viver.
A presença de P. hoplura é fator de desequilíbrio no desenvolvimento e na saúde do molusco. Isso pode ocorrer de várias formas. Se o molusco contaminado tem uma casca muito fina, o verme pode atingir o interior mole do molusco. Neste caso, o molusco irá gastar mais energia na produção de material calcário para cobrir e isolar o buraquinho feito pelo verme. A energia gasta é desviada de funções vitais, como alimentação e reprodução.
Em uma infestação generalizada, a proliferação de P. hoplura pode fazer com que uma única ostra seja perfurada por dezenas de indivíduos. Isso vai fazer o molusco despender toda a sua energia na tentativa de se proteger dos vermes invasores. O resultado é a morte do animal.
Nos países onde há infestação de Polydora e outras poliquetas, a produção de ostras é muito afetada, havendo casos específicos na Nova Zelândia e na África do Sul onde a produção foi drasticamente atingida. “Se a infestação for muito alta, o bicho vai gastar muita energia para produzir concha. Se a infestação for demasiada, o bicho morre”, atesta Migotto. “Há casos de colapso total na atividade de aquicultura, provocada pela infestação.”
Como essa espécie invasora se proliferou pelo mundo? Segundo Migotto, é bem provável que tenha chegado ao Brasil dentro de matrizes da ostra-do-pacífico (Crassostrea gigas), a espécie natural do mar do Japão que é cultivada ao redor do planeta.
As matrizes de ostra-do-pacífico são importadas pelos criadores para formar a operação de cultivo e também manter a diversidade genética e a saúde do plantel. Nas Américas, já é conhecida a presença de poliquetas invasoras nas águas da Califórnia e do Maine, na costa Oeste e Leste dos Estados Unidos, respectivamente, e também no litoral do Chile.
“Achamos poliquetas da espécie P. hoplura em conchas e moluscos nativos do litoral de São Paulo,����� diz Migotto. “Se elas vieram dentro das matrizes de ostra-do-pacífico, podemos considerar que a espécie invasora já se espalhou pelo litoral sul do Brasil.”
Há várias espécies de Polydora no Atlântico Sul. Elas também perfuram conchas de moluscos, mas não há registros de que impactem de forma significativa a atividade de aquicultura. (Fonte: Agência FAPESP)