Depois dos incêndios, quando a chuva vier a sério, as extensas regiões afetadas pelos fogos deste ano, que ascendem a mais de 500 mil hectares, enfrentam novos problemas: a erosão dos solos e a possibilidade de contaminação de rios e albufeiras com as cinzas e outros contaminantes, transportados pela escorrência das águas. Nas zonas de maior risco poderá haver intervenções para travar os efeitos mais severos, mas a dimensão das áreas ardidas não ajuda.
No terreno, já há quem esteja a trabalhar, como Jacob Keiser, investigador da Universidade de Aveiro e especialista em erosão do solo, com a demonstração de técnicas que podem diminuir o impacto das chuvas na erosão dos solos que ficaram calcinados.
“Fomos contactados pelo ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] em meados de agosto, na sequência dos incêndios de Pedrógão para um projeto-piloto de demonstração de técnicas para travar a erosão do solo no pós-incêndio”, explica ao DN o investigador de Aveiro.
Na sequência do pedido, Jacob Keiser e a sua equipa do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro participaram em agosto num workshop com técnicos dos gabinetes técnicos florestais (GTF) dos municípios afetados pelo incêndio de Pedrógão, e fizeram a demonstração em encostas de pinhal ardido, em Castanheira de Pera.
Porque pretendem recolher dados para estudo científico, numa das parcelas a equipa não fez nenhuma intervenção, noutra aplicou uma barreira de ramos, com o objetivo de travar a velocidade da água da chuva, quando ela chegar, e noutra aplicou uma cobertura de caruma que ao mesmo tempo que protege o solo calcinado e vulnerável também absorve alguma água e trava a sua escorrência.
“Demonstrámos as técnicas, vamos continuar a monitorizar as parcelas com os técnicos dos GTF e depois vamos acompanhar como consultores a aplicação das medidas que forem tomadas”, adianta Jacob Keiser. Para breve está também agendada uma demonstração idêntica em zonas de eucaliptal, mas de acordo com os estudos que faz há anos nesta área, o investigador de Aveiro é da opinião de que a aplicação de um coberto sobre o solo ardido é o que acaba por ter mais vantagens. “O ideal, na nossa perspetiva, é aplicar uma cobertura, por exemplo, de palha ou de resíduos florestais que ficaram do corte, ou ainda caruma, no caso do pinhal”, adianta. Na Galiza, diz, “há muito a prática de aplicar palha, lançada de helicóptero”. As vantagens? “É eficaz e é impossível fazer mal, enquanto criar barreiras leva mais tempo e pode ter riscos.”
Na prática, será impossível agir em todas as áreas ardidas. Mas dada a extensão e a severidade dos fogos, “haverá zonas com bastante erosão”, acredita Jacob Keiser. Será sobretudo aí que vai ser preciso intervir, diz. Em zonas “onde a severidade do incêndio foi grande e o risco de erosão é maior, em zonas com declives mais acentuados, ou onde o solo é importante do ponto de vista dos ecossistemas, naquelas onde os sistemas florestais têm importante produtividade e ainda onde há albufeiras e linhas de água, ou onde há riscos de inundações urbanas”, explica o cientista de Aveiro. É que, além do problema da erosão dos solos, e consoante a sua intensidade, as chuvas vão arrastar não apenas sedimentos e nutrientes, mas também as cinzas e os restos calcinados de vegetação que têm um grande potencial de contaminação das linhas de água e das albufeiras.
Nesta altura, apontar em concreto as regiões onde vai ser preciso intervir “é difícil”, nota Jacob Keiser, mas à partida serão aquelas que couberem nestes critérios e, na sua opinião, terão de ser as autoridades e os técnicos locais quem melhor poderá fazer essa despistagem.
Contaminação da água
O outro problema que vai colocar-se quando a chuva chegar é o da potencial contaminação dos recursos hídricos pelas cinzas e sedimentos queimados, levados para rios e albufeiras.
“Os sedimentos e nutrientes que não foram volatilizados pelo fogo, são transportados pela chuva”, explica Alexandre Tavares, professor e investigador da Universidade de Coimbra na área das Ciências da Terra e da cartografia de risco.
“Estamos a falar de sais solúveis, de sulfatos, de nitratos e de outros compostos de azoto, e de cinzas, que têm concentrações de cálcio 20 vezes superiores em relação ao solo original por causa do fogo”, sublinha o cientista. É esta mistura que “atinge as linhas de água e que, por causa da sua concentração, pode levar à proliferação de algas, que, por sua vez, pode levar à proliferação de micro-organismos, alguns deles tóxicos”, antecipa Alexandre Tavares.
A chuva logo a seguir aos fogos já foi uma pequena amostra do que poderá suceder quando vier o inverno. Sem surpresa, logo na quarta-feira, a população de várias localidades de Alcobaça foi aconselhada pelos serviços municipais a não beber água da rede pública – estava cheia de cinzas.
Fonte: Diário de Notícias