Agricultura biossalina permite usar água salobra na irrigação de pequenas áreas

A água é fundamental pro sucesso de qualquer atividade agropecuária. Imagina então, como os produtores do sertão do Nordeste sofrem com a falta dela. O Globo Rural mostrou uma tecnologia que pode ajudar muitos agricultores a continuar trabalhando, mesmo nos períodos de seca prolongada.

Quem vive e produz no semiárido nordestino sabe que a seca faz parte do clima desse pedaço do Brasil. Em geral, nos anos normais, chove apenas três, quatro meses por ano. Mas de tempos em tempos, a seca se prolonga.

A chuva irregular faz com que água seja um bem precioso e raro. Os agricultores sertanejos estão sempre em busca de alternativas para continuar trabalhando nos períodos de seca. Mas encontrar água no subsolo nem sempre resolve o problema.

Uma estimativa feita Embrapa mostra que há, pelo menos, 200 mil poços perfurados em todo semiárido nordestino. Mas a maior parte dessa água não vem sendo usada por causa da qualidade. É uma água salobra – com sal.

O agrônomo Tony Jarbas é doutor em solos e pesquisador da Embrapa semiárido, em Petrolina. Ele explica que a presença de sais na água se deve à formação geológica dessa região. “São rochas cristalinas e essas rochas contêm na sua estrutura cristalográfica cloretos e elementos químicos que levam a formação de sais. Então, quando essa água entre em contato com essas rochas, que o intemperismo se inicia, esses sais são liberados e vão ficar nessas águas subterrâneas em todo semiárido.”

A água salobra é composta por diversos tipos de sais, como o cloreto de sódio, que tem no sal de cozinha, além de cálcio, magnésio e potássio, por exemplo. O gosto é bem ruim, às vezes não dá nem para beber. Em geral os animais tomam, mas se o teor de sódio for alto, isso pode trazer sérios problemas de saúde para o rebanho. O uso dessa água na irrigação de lavouras é uma grande ameaça para o meio ambiente.

“Quando a gente tem uma água rica em sódio, por exemplo, e a gente usa essa água como fonte de irrigação, a gente está levando para o solo esse sódio. E qual é o efeito desse sódio? Ele entra no solo e começa a quebrar os agregados. Ele tem um efeito de dispersão das argilas do solo. E aí, essa argila dispersa, ela migra em profundidade e acaba entupindo os poros do solo. Por isso que a gente acaba tendo um efeito de compactação. E aí, indiretamente, além de ser feito de compactação, um efeito de erosão do solo. Porque quando chove a água não consegue infiltrar e ela acaba erodindo. Então, escorrendo sobre a superfície e carregando a camada superficial. É um processo de degradação e desertificação”, explica a pesquisadora da Embrapa Diana Signor.

A água não é a ideal, mas é a que tem. Por isso, a Embrapa criou um grupo de pesquisa que está adaptando às condições do Nordeste, uma técnica já usada em outros países: a chamada agricultura biossalina. Como conta o zootecnista Gherman Araújo, coordenador do grupo: “a agricultura biossalina é uma alternativa de cultivo, é uma alternativa de agricultura, onde se tem como base o uso de águas com certos teores de sais. É uma agricultura que tem sido utilizada desde da década de 50, onde a disponibilidade de água doce é extremamente restrita. Então, essas águas com certos teores de sais, uma vez utilizadas com critérios, podem se tornar uma excelente alternativa de produção.”

A ideia é trabalhar em pequenas áreas, destinadas à produção de forragem pra alimentação animal. O sistema deve seguir três regras fundamentais: análise da água do poço que vai ser usado para determinar a quantidade e os tipos de sais que ela contém; conhecer muito bem o solo que vai ser irrigado; escolher culturas adequadas pra cada situação.

A Embrapa vem testando algumas plantas em um campo experimental. Gherman Araújo explica que as plantas recomendadas para o sistema de agricultura biossalina devem ser as halófitas. “São aquelas plantas que toleram sais, que são resistentes aos sais. A planta mundialmente reconhecida como obrigatoriamente halófita é a erva-sal ou atriplex nummularia. Essa precisa, inclusive, de sódio para o seu crescimento.”

A erva-sal tem mais de 20% de proteína. Por isso, pode ser usada como forrageira. “A proteína, na verdade, é o nutriente mais importante, mais rico e, digamos, mais caro no processo de formulação de uma dieta para os animais. Então, essa planta tem importância enorme para o nosso semiárido também”, completa o zootecnista.

A Embrapa também está testando plantas já conhecidas e cultivadas por muitos agricultores sertanejos, como a gliricídia e a palma forrageira. Os testes também mostraram bons resultados com sorgo, moringa, leucina e palma.

A palma, além de forrageira para matar a fome dos animais, é também uma fonte de água, que pode ser usada para matar a sede do rebanho. A planta é uma produtora de água. Ela tem 90% de água e 10% de matéria seca.

Para conseguir bons resultados é preciso tomar alguns cuidados. O primeiro é associar a irrigação com uma adubação orgânica. Quanto menos água salgada for para o solo, melhor. Por isso, os pesquisadores estão trabalhando para determinar qual o volume ideal de irrigação que cada planta precisa.

Mesmo com todo cuidado, essa água acaba salinizando o solo. Por isso, os pesquisadores estão desenvolvendo um sistema de manejo que ajuda a preservar a qualidade da terra. Funciona assim: o agricultor divide a propriedade em talhões. Escolhe um, instala a irrigação e faz o plantio. Periodicamente, a área tem que passar por uma análise de solo. Quando o teor de sal ficar crítico, o talhão tem que ser abandonado e o agricultor tem que mudar todo o sistema para outro e a terra vai descansar até baixar o nível de sal. O tempo varia de acordo com o tipo de solo e a quantidade de sais que ele absorveu. É um tipo de agricultura que casa muito bem com pequenos agricultores.

Fonte: Globo Rural