Todas as manhãs, Dembo Cisse, um rapaz de 21 anos da Guiné, espera o carro que o vem pegar. Entram no veículo ele e outros dois, que moram num apartamento pertencente ao sistema privado de acolhimento de migrantes na Itália.
O velho carro de família toma então a direção de Oleggio, uma pequena cidade na região do Piemonte, no norte do país, para chegar a um campo agrícola nas proximidades.
Dembo e seus companheiros não trabalham na cadeia de fornecimento de alimentos, dominada por grandes distribuidores que demandam preços cada vez mais baixos e, portanto, mão de obra barata – proporcionada por muitos de seus colegas africanos por falta de melhores opções.
O motorista do carro é Raffaele D’Acunto, conhecido como Lello, o primeiro agricultor orgânico da região. Agora aposentado, ele decidiu montar uma pequena empresa agrícola para cultivar produtos orgânicos e vendê-los no mercado local.
Lello, Dembo e outros quatro imigrantes do Mali, Senegal e Nigéria – o mais jovem deles tem apenas 19 anos – estão prestes a se tornar sócios igualitários no florescente negócio que denominaram apropriadamente de “Zappa Arcobaleno” (enxada arco-íris). A empresa está envolvida agora nos trâmites burocráticos, aguardando o registro oficial.
“Ninguém cuidou dessa terra nos últimos 40 anos”, diz Dembo, enquanto pega suas luvas e um balde para jogar fora parasitas que se aninharam entre as batatas que plantou ali há três meses. “Quando começamos, aqui estava cheio de pedras, era uma terra muito difícil de cultivar.”
Três meses atrás, o grupo começou reabilitando parte do terreno abandonado, depois de contatar os proprietários originais, que não tiveram nenhuma objeção. Batatas, alcachofras e abóboras estão entre as culturas plantadas ali. Para desenvolver a sua própria horta, a equipe também chegou a um acordo com o centro local de acolhimento de migrantes, onde vivem alguns dos jovens.
“Aqui podemos ser nossos próprios chefes. O que plantamos é o que ganhamos”, diz Dembo em bom italiano. Ele está no país há 18 meses. A maior parte desse tempo, passou esperando uma entrevista com a comissão de refúgio, e agora aguarda uma resposta de seu pedido.
A espera pode ser longa. Em toda a UE, no final de maio de 2018, mais da metade dos solicitantes de refúgio aguardava uma decisão há mais de seis meses. Na Itália, não é incomum escutar casos de pessoas passarem mais de dois anos hospedadas em centros de acolhimento privados, mas financiados pelo governo.
Os mais sortudos encontram um trabalho mal remunerado no mercado informal, o que ainda é melhor que os 2,50 euros por dia oferecidos pelo Estado. Os centros de acolhimentos de gestão privada, conhecidos como CAS, recebem até 35 euros por dia para cada solicitante de refúgio – dinheiro que deve ser destinado a programas de acomodação e integração, incluindo aulas de idioma.
Enquanto alguns realmente fornecem tais serviços, o sistema caótico deixa brechas para abusos, incluindo a infiltração da máfia. Para estrangeiros recém-chegados presos na engrenagem burocrática, isso significa simplesmente viver num limbo.
“Não cabe a mim escolher continuar neste trabalho. Depende de onde eu vou poder viver futuramente. Não sei o que acontecerá amanhã”, afirma Dembo, que estuda italiano e participou de um curso profissionalizante de jardinagem e agricultura, onde conheceu Lello, que foi seu professor.
Além de uma queda de 77% nas chegadas de migrantes através da rota do Mediterrâneo Central, o número de pedidos de refúgio caiu 50% no primeiro trimestre deste ano na Itália, em comparação com o ano anterior. Em média, 60% das solicitações são rejeitadas.
A Itália tende a conceder mais comumente a chamada “proteção humanitária”, que vem com uma autorização de residência de dois anos e é planejada para ajudar aqueles que não cumpriram os requisitos para o status de refugiado ou proteção subsidiária.
Numa carta oficial no início deste mês, o ministro do Interior da Itália, o ultradireitista Matteo Salvini, pediu a comissões de refúgio encarregadas de examinar os pedidos que limitassem o número de permissões humanitárias emitidas, causando preocupação entre grupos de direitos humanos. Os ativistas afirmam que forçar um órgão administrativo a aceitar diretrizes políticas levará a decisões injustas e a mais caos administrativo.
“Em nível nacional, vimos que as comissões estão se tornando cada vez mais duras, com poucas exceções”, diz Donatella Bava, advogada da região de Turim e membro da Associação de Estudos Jurídicos sobre Imigração. “Observamos um declínio nas boas práticas. Temos casos em que autorizações de residência foram revogadas, mesmo com recurso pendente.”
Fazendo campanha (e agora governando com o Movimento Cinco Estrelas) com temas anti-imigração, o partido Liga, de Salvini, angariou quase 30% dos votos em Oleggio, mais do que qualquer outra legenda. Desde a eleição em março, a popularidade da Liga tem aumentado em toda a Itália.
Vários boatos estão circulando – o mais comum é que os solicitantes de refúgio embolsam 35 euros por dia do Estado. Como resultado, os migrantes são frequentemente vistos com desconfiança pela população local.
“Às vezes, quando você para alguma pessoa na rua para pedir informações, elas se afastam”, diz Dembo. “Elas talvez achem que estamos pedindo dinheiro, como nossos irmãos que fazem isso na frente do supermercado, e então não respondem”.
Mas na fazenda, Dembo, Lello e os outros têm motivações próprias para continuar seu trabalho. Nas últimas semanas, eles começaram a vender seus produtos diretamente aos consumidores, enquanto se esforçam para transformar seus negócios numa empresa totalmente operacional.
Para Lello, um ex-engenheiro químico que migrou da cidade de Salerno há mais de 30 anos para trabalhar numa fábrica, é uma maneira de transmitir sua expertise e paixão.
“Conhecer os garotos me fez perceber o valor de certas coisas que eu não era capaz de fazer com meus próprios filhos”, afirma Lello. “A agricultura requer alguns sacrifícios: nas horas de trabalho, nos feriados, no bom e no mau tempo. Mas eu sou otimista e digo a eles: ‘Não temos nada a perder’.”
Fonte: Deutsche Welle