Os temas recorrentes nesta terça-feira (25) no primeiro dia do debate geral da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, foram os potencialmente catastróficos impactos das mudanças climáticas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou em seu discurso inaugural que a velocidade do aquecimento global tem provocado emergências no mundo todo, enquanto líderes dos países enfatizaram suas vulnerabilidades no que se refere a esse tema.
“O Peru é um dos países mais vulneráveis”, disse o presidente peruano, Martin Vizcarra Cornejo. “Nossa enorme biodiversidade é o principal capital natural sobre o qual dependemos e, portanto, as mudanças climáticas e os eventos climáticos extremos como as secas e as inundações nos colocam em uma posição particularmente vulnerável”.
O presidente mexicano, Enrique Pena Nieto, enfatizou a importância de implementar o Acordo de Paris para o clima, que busca evitar os efeitos mais catastróficos das mudanças climáticas ao manter o aquecimento global abaixo dos 2 graus Celsius e acima dos níveis industriais no fim do século passado.
A presidente das Ilhas Marshall, Hilda Heine, uma pequena nação do Pacífico que está pouco mais de um metro acima do nível do mar e que está ameaçada de desaparecimento pela elevação do nível dos oceanos, pediu a implementação urgente do Acordo de Paris para o clima.
“O futuro das Ilhas Marshall está em cheque”, disse. “Mas não é apenas nós, (…) mesmo que sejamos uma das mais vulneráveis. Estamos em risco junto com outras pequenas ilhas dos Estados desenvolvidos, muitos outros países enfrentam sérios desafios diante dos impactos climáticos.”
O presidente das Ilhas Seychelles, Danny Faure, alertou que a paz e a prosperidade não podem ser dissociadas dos efeitos das mudanças climáticas, e sua ameaça existencial ao mundo como um todo. “Negligenciar os efeitos das mudanças climáticas passará às próximas gerações um mundo sem solução”, disse.
Falando do espectro oposto ao dos países insulares, o presidente Sooronbay Jeenbekov, do Quirguistão, alertou que as mudanças climáticas estão tendo um impacto crescente nos glaciais e nos recursos aquíferos em seu país, contribuindo para o crescimento dos desastres naturais.
Muitos líderes contaram os problemas e conquistas de seus países. Mas eles também enfatizaram o papel dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que buscam eliminar uma série de problemas sociais de maneira ambientalmente sustentável até 2030, e da ONU em obter as parcerias globais necessárias para combater as mudanças climáticas e resolver uma série de outros problemas, incluindo a atual crise migratória global.
Uma nota dissonante veio do presidente norte-americano, Donald Trump, que rejeitou a ideologia do globalismo, se opôs ao Pacto Global para as Migrações, que deve ser adotado no Marrocos em dezembro, e reclamou que os parceiros comerciais dos Estados Unidos têm tirado vantagem do país, explicando sua política de imposição de tarifas de importação bilionárias.
Em oposição a esses argumentos manifestou-se o presidente suíço, Alain Berset, que lamentou a “tendência do momento” de buscar respostas problemas como globalização, desigualdade, conflito, extremismo, migração e mudanças climáticas “com isolamento nacionalista e em com uma crescente desconfiança em relação à cooperação entre os Estados”.
“Estamos testemunhamos uma real crise no multilateralismo — de forma paradoxal, no momento em que estamos tentando criar os principais pilares da governança global do futuro”, disse. “As Nações Unidas são indispensáveis e idealmente criadas para abordar desafios contemporâneos, especialmente a luta contra as desigualdades”.
Ele também criticou “políticas que recaem sobre o protecionismo comercial e os interesses egoístas” que minam o comércio e a prosperidade, e reiterou o apoio de seu país ao Tribunal Penal Internacional e “o esforço internacional de cooperação único em favor das vítimas dos crimes mais graves”.
O presidente brasileiro, Michel Temer, também criticou o protecionismo. “O protecionismo pode soar sedutor, mas é por meio da abertura e da integração que harmonia, crescimento e progresso podem ser atingidos”, disse. Ele também enfatizou a importância de adotar o Pacto Global para as Migrações.
O presidente finlandês, Sauli Niinistö, também elogiou o multilateralismo. “Infelizmente, há agora razão para se preocupar para todos nós que acreditamos nos benefícios do multilateralismo”, disse. “O sistema internacional que construímos juntos está visivelmente sob pressão. Sua capacidade e credibilidade está sendo questionada. Não podemos mais ter a ordem baseada em regras como garantida. É nossa responsabilidade comum defender ativamente e desenvolvê-la”.
Ele chamou a ONU de “o centro” do sistema multilateral. “Portanto, a defesa do multilateralismo precisa começar aqui”, disse. “A ONU e seus membros precisam demonstrar vontade de agir juntos, não independentemente dos outros”.
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, também defendeu enfaticamente o multilateralismo. “Precisamos resistir a quaisquer e todos os esforços para minar a abordagem multilateral para o comércio internacional, que é essencial para a promoção da estabilidade e da previsibilidade na economia global”, declarou.
Muitos palestrantes declararam seu apoio ao Pacto Global para as Migrações. “Estamos ansiosos com sua adoção no Marrocos ainda este ano”, disse o presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, lembrando que a migração irregular não é apenas a consequência dos conflitos, mas efeito das mudanças climáticas e da falta de oportunidades nos países de origem, chamando as mudanças climáticas como “um dos maiores desafios de nosso tempo”.
Enquanto enfatizou a importância do multilateralismo, o presidente de Ruanda, Paul Kagame, enfatizou a necessidade de “multilateralismo real, que muitas vezes está em falta”.
“O atual sistema de governança global baseado em duas vias é insustentável”, disse. “Alguns podem definir as normas sob as quais outros serão julgados. Mas os padrões que não se aplicam a todos igualmente não são universais. Enfrentar esse desequilíbrio na fundação de nosso sistema é o que nos dá forma para a retomada da cooperação multilateral, e renovar a legitimidade das instituições internacionais, que são tão cruciais para o futuro do planeta”.
O presidente do Equador, Lenin Moreno, deu uma dimensão pessoal do valor dos pactos, tratados e convenções da ONU, compartilhando sua história pessoal de sofrimento por um assalto 20 anos atrás que lhe custou a mobilidade das pernas. “Vejo o mundo da altura do peito”, disse, lembrando sua estatura na cadeira de rodas.
“Esta não é apenas minha estória, mas a de 1 bilhão de pessoas no mundo”, acrescentou, lembrando que a Convenção da ONU para o Direito das Pessoas com Deficiência, e seu protocolo opcional, “é a melhor garantia de que, juntos, nós podemos desenvolver um compromisso”.
Mas foi o presidente do Malauí, Arthur Peter Mutharika, que talvez tenha capturado a essência da ONU. “Cada nação é importante e nós todos temos algo a oferecer”, declarou. “Não há minorias aqui. Não há pequenas aqui. Só há nações nas Nações Unidas”.
Fonte: ONU