Mas as partículas que os físicos conhecem — a coleção de partículas que compõem o que os cientistas chamam de modelo padrão (SM) da física de partículas — não deveriam ser capazes de fazer isso. Claro, há neutrinos de baixa energia que podem perfurar quilômetros de rocha sem sofrerem nenhuma alteração. Mas neutrinos de alta energia, bem como outras partículas de alta energia, têm “grandes seções cruzadas.” Isso significa que eles quase sempre vão colidir com algo logo depois de entrarem na Terra e nunca conseguiriam sair do outro lado.
No entanto, desde março de 2016 os pesquisadores têm ficado intrigados sobre dois acontecimentos na Antártida, onde os raios cósmicos saíram da terra. Eles foram detectados pelo inferômetro NASA Anita, uma antena de balão que sobrevoa o continente.
De baixo para cima
Anita foi projetado para procurar raios cósmicos do espaço sideral, então a comunidade de pesquisadores especializados em neutrinos de alta energia pulou de emoção quando o instrumento detectou partículas que pareciam estar partindo da própria Terra em vez de vir do espaço. Uma vez que os raios cósmicos não deveriam fazer isso, os cientistas começaram a se perguntar se esses feixes misteriosos são feitos de partículas desconhecidas.
Desde então, os físicos têm proposto todos os tipos de explicações para estes raios cósmicos “que vão para cima”, de neutrinos estéreis (neutrinos que raramente nunca batem em matéria) para “distribuição de matéria escura atípica dentro da Terra”, referenciando a misteriosa forma de matéria que não interage com a luz.
Todas as explicações são intrigantes, e sugerem que Anita poderia ter detectado uma partícula não contabilizada no modelo padrão. Mas nenhuma das explicações demonstrou conclusivamente que algo mais simples não pudesse ter causado o sinal em Anita.
Vários eventos
Um novo artigo publicado nesta quarta-feira (26) no arXiv muda tudo. Nele, uma equipe de astrofísicos da Universidade Estadual Pensilvânia (EUA) mostrou que outras partículas de alta energia foram lançadas para cima além das detectadas durante os dois eventos captados por Anita. O maior observatório de neutrinos na Antártida, IceCube, detectou também partículas similares em três outras ocasiões.
Combinando os dados de IceCube com Anita, os pesquisadores da universidade calcularam que, seja qual for a partícula que está surgindo da Terra, tem muito menos de uma chance de 1 em 3,5 milhões de ser parte do modelo padrão.
Quebrando a física
Derek Fox, o autor principal do artigo, disse que ele se deparou com os eventos Anita em maio de 2018. “Eu pensei: ‘bem, este modelo não faz muito sentido, mas o resultado é muito intrigante’. Então eu comecei a investigá-lo”, afirmou Fox ao Live Science.
Fox foi trocar ideias com seu vizinho de escritório, Steinn Sigurdsson, e ali surgiu uma parceria para propor explicações mais plausíveis para os eventos. Fox, Sigurdsson e seus colegas começaram a procurar eventos semelhantes em dados coletados por outros detectores. Quando eles se depararam com possíveis eventos ascendentes em IceCube, ele percebeu que poderia ter se deparado com algo que poderia mudar a física.
A física de partícula de alta energia não tem avançado muito nos últimos anos. Quando Grande Colisor de Hádrons (LHC) foi concluído na fronteira entre a França e a Suíça em 2009, os cientistas pensaram que ele poderia desbloquear os mistérios da supersimetria, a misteriosa classe teórica de partículas que os cientistas suspeitam que podem existir, mas nunca a detectaram.
De acordo com a supersimetria, cada partícula existente no modelo padrão tem um parceiro supersimétrico.
Em vez disso, o LHC confirmou o bóson de Higgs, a parte final não detectada do modelo padrão, em 2012. E então ele parou de detectar qualquer outra coisa importante. Os pesquisadores começaram a questionar se qualquer experimento de física existente poderia detectar uma partícula supersimétrica.
Partículas supersimétricas
Se a partícula modelo padrão criou essas anomalias, elas deveriam ter sido neutrinos. Os pesquisadores sabem disso porque nenhuma outra partícula modelo padrão teria qualquer chance de atravessar a Terra.
Mas detectores de neutrinos como Anita e IceCube não detectam neutrinos diretamente. Em vez disso, eles detectam as partículas que os neutrinos decompõem depois de colidir na atmosfera da Terra ou gelo antártico. E há outros eventos, possivelmente supersimétricos, que podem gerar essas partículas, desencadeando a detecção.
Fox e seus colegas passaram a argumentar que as partículas são mais susceptíveis de ser uma espécie de partícula supersimétrica chamada “stau sleptons”. Os stau sleptons são versões supersimétricas de uma partícula modelo padrão chamado “Tau lépton”.
Os autores apontam que nenhuma partícula convencional conseguiria viajar através da Terra desta forma, mas ainda não há dados suficientes para ter certeza. E não há como comprovar que a partícula fez essa viagem.
Agora, os pesquisadores só sabem que o que quer que esta partícula seja, ela interage muito fracamente com outras partículas, ou então ela nunca teria sobrevivido a viagem através da massa densa do planeta.
O que vem a seguir
É possível, disse Fox, que quando os pesquisadores IceCube esmiuçarem os arquivos de dados do IceCube, encontrem mais eventos semelhantes que já tinham passado despercebido.
As anomalias Anita poderiam oferecer aos cientistas a informação necessária para sintonizar adequadamente o LHC para desbloquear mais sobre a supersimetria. Estes experimentos podem até fornecer uma explicação para a matéria escura.
Agora, Fox disse, ele está com fome para mais dados.
Fonte: Hypescience