Para salvar o planeta do caos climático, o mundo precisa avançar rapidamente na transição dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis de energia. E para que a mudança seja bem-sucedida, é preciso avaliar os prós e os contras de cada modelo de produção energética. Em artigos publicados nesta quinta-feira nas revistas “Environmental Research Letters“ e “Joule”, pesquisadores da Universidade Harvard alertam que a transição para a energia solar ou eólica nos EUA irá exigir entre cinco e 20 vezes mais terras do que se pensava, e que as fazendas eólicas de grande escala poderão aumentar a temperatura média da superfície da parte continental do país em 0,24 grau Celsius.
O vento bate o carvão em qualquer medição ambiental, mas isso não significa que seus impactos sejam insignificantes — afirmou David Keith, professor de Física Aplicada na Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard. — Nós devemos nos afastar rapidamente dos combustíveis fósseis para conter as emissões de carbono. Fazend
o isso, devemos fazer escolhas entre várias tecnologias de baixo carbono, todas com impactos sociais e ambientais.
Um dos primeiros quesitos a serem avaliados no impacto ambiental das tecnologias renováveis é o uso da terra. Em um dos artigos, Keith e seu colega Lee Miller, pós-doutorando em Harvard, descobriram que a geração eólica está sendo superestimada por negligenciarem as interações entre as turbinas. Ao movimentar as pás, os ventos perdem força, criando uma “sombra do vento”. Para apenas uma turbina, esse fenômeno não traz tantos impactos, mas para uma fazenda densa ele pode reduzir a produção energética.
No estudo, Keith e Miller identificaram a localização das 57.636 turbinas eólicas instaladas nos EUA e quantificaram a densidade energética de 411 fazendas eólicas e 1.150 usinas solares que estavam em operação nos EUA em 2016.
— Para o vento, nós descobrimos que a densidade energética média — que é a taxa da geração energética dividida pela área ocupada pela usina — era até cem vezes menor do que as estimativas de alguns dos maiores especialistas no setor — afirmou Miller. — A maioria dessas estimativas não consideraram a interação da turbina com a atmosfera. Para uma usina isolada, as interações não são importantes, mas quando as fazendas se estendem por cinco a dez quilômetros, essas interações geram grandes impactos na densidade energética.
Os resultados obtidos por Keith e Miller mostram que a densidade energética das usinas solares está superestimada até mesmo por órgãos importantes nos processos decisórios, como o Departamento de Energia dos EUA e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Para a energia solar, a densidade energética média é dez vezes maior que a produção eólica, mas também muito abaixo das estimativas anteriores. Dessa forma, concluem os pesquisadores, a transição exigirá mais terras do que previsto anteriormente.
No outro estudo, publicado na “Joule”, os cientistas demonstram que a transição energética não apenas irá exigir mais espaço, como irá alterar a dinâmica climática no país. Com base num modelo padrão de análise climática, eles preencheram a parte continental dos EUA com turbinas eólicas capazes de suprir as necessidades atuais de energia. Neste cenário, apenas a colocação das fazendas aqueceu a temperatura média na superfície em 0,24 grau. O cenário é mais drástico durante a noite, quando a variação estimada foi de 1,5 grau Celsius.
O aquecimento é resultado da desaceleração dos ventos provocada pelas pás das turbinas. Os cálculos indicam que o aumento nas temperaturas provocado pelas turbinas é maior que o efeito das reduções das emissões de gases-estufa, pois o aquecimento relacionado com as turbinas tem um efeito local, enquando as concentrações de gases do efeito estufa exigem uma ação global para que os benefícios sejam sentidos.
— Os impactos climáticos diretos da energia eólica são instantâneos, enquanto os benefícios das reduções das emissões se acumulam lentamente — destacou Keith. — Se a sua perspectiva forem os próximos dez anos, a energia eólica, na verdade, tem mais impactos climáticos que o gás ou o carvão. Se a perspectiva forem os próximos mil anos, então a energia eólica tem muito menos impacto climático.
Para a energia solar, os cientistas mediram que os impactos climáticos são cerca de dez vezes menores em comparação às fazendas eólicas.
— Este trabalho não deve ser visto como uma crítica fundamental à energia eólica — defendeu o pesquisador. — Nossa esperança é que o estudo, combinado com observações diretas recentes, marquem um ponto de virada onde os impactos climáticos da energia eólica comecem a receber consideração nas decisões estratégicas sobre a descarbonização do sistema energético.
Fonte: O Globo