Após o colapso da barragem da Vale em Brumadinho na semana passada, o mundo olha em choque para o Brasil. Até a noite desta terça-feira (29/01), 84 corpos haviam sido encontrados, e mais de 270 pessoas ainda seguiam desaparecidas.
Há pouco mais de três anos, uma barragem da mineradora Samarco, de propriedade da Vale, já havia rompido em Mariana, a 200 quilômetros dali, matando 19 pessoas. O dano ao meio ambiente também foi gigantesco. Até hoje, contudo, a Samarco não pagou nenhuma das multas aplicadas a ela pela tragédia, que somam centenas de milhões de reais.
Desta vez, a Vale – que ao lado da Petrobras é o carro-chefe da economia brasileira – não deve escapar tão facilmente. Após cinco anos de crise econômica, o Brasil precisa finalmente enviar sinais positivos.
Na terça-feira, a Vale anunciou que vai eliminar as dez barragens semelhantes às que romperam em Brumadinho e Mariana que ainda existem no país, além das nove que já foram descomissionadas. Com isso, a empresa deixará de produzir 40 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, o que representa cerca de 10% de toda sua produção. A perda de receita será de bilhões.
Além disso, a Justiça já congelou R$ 11,8 bilhões nas contas da Vale, e as multas impostas à empresa após a tragédia chegam a quase R$ 500 milhões. “A Vale é a maior do mundo e tem fundamentos sólidos para suportar esta crise”, afirma, contudo, o analista Raphael Figueiredo, da Eleven Financial.
Ele está otimista – ao contrário dos investidores. Na segunda-feira, as ações da Vale despencaram, e a empresa perdeu um quarto de seu valor de mercado, cerca de R$ 72 bilhões. Apesar das multas milionárias, foi uma reação exagerada do mercado, avalia Glauco Legat, analista-chefe da consultoria Necton. “É um desastre para a companhia.”
As consequências provavelmente atingirão toda a indústria da mineração brasileira, prevê Legat. Ele espera um novo marco regulatório para o setor, um aumento da fiscalização e do monitoramento e uma proibição geral das barragens com o chamado alteamento a montante, método usado nas barreiras que se romperam em Mariana e Brumadinho.
“Isso deve ter um maior custo de produção e de manutenção. É natural esperar um cenário mais difícil para as mineradoras no futuro”, afirma o analista. “Especialmente porque a concessão de licenças ambientais para novas minas deve ser dificultada.”
Segundo Legat, as empresas também terão de arcar com esses controles mais rígidos. “O governo não tem recursos suficientes para órgãos fiscais como o Ibama e a DPMA [Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente]”, diz ele. “É preciso criar novos impostos a serem pagos pelas mineradoras.”
Durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro fez uma série de críticas a autoridades ambientais, especialmente ao Ibama, classificando-as de um freio à economia. À época, ele disse que colocaria um fim ao que chamou de “indústria da multa”. Sinalizou também, durante e após a campanha, que pretendia rever regras de licenciamento ambiental. “Essa questão de licença ambiental atrapalha quando um prefeito, governador, presidente quer fazer uma obra de infraestrutura”, disse, por exemplo, em dezembro.
“Campanha é uma coisa. Agora chegou a hora de governar”, afirma Nilo D’Ávila, do Greenpeace. “Se existisse realmente uma indústria da multa no Brasil, a tragédia de Brumadinho não teria acontecido.”
“Eu acredito que esse evento [em Brumadinho] como um todo abriu os olhos do governo”, diz, por sua vez, Legat. “Eles estavam achando que a fiscalização de questões ambientais não é importante. Talvez esse evento tenha mostrado a realidade para o governo.”
Na terça-feira, a gestão Bolsonaro anunciou a fiscalização de milhares de barragens em todo o Brasil, classificadas como de alto risco. Contudo, segundo Legat, a consciência ambiental repentinamente descoberta pelo governo federal pode também ser pura retórica diante do clamor público.
Mais controle – em vez de menos, como anteriormente anunciado – é importante para aumentar a confiança do investidor no mercado brasileiro, afirma Figueiredo, da Eleven Financial.
“O Brasil tem um problema muito sério: está o tempo todo apagando incêndios; nunca se prevenindo contra eles. Mas agora vejo um engajamento do governo para que haja mudanças legislativas. O governo tende a ser muito mais rigoroso, principalmente no que se trata de impunidade. E vai para um controle mais rígido também na questão ambiental.”
Segundo o analista, o desastre freia as esperanças do governo de mais investimentos vindos do exterior – urgentemente necessários. “Num espaço muito curto de tempo, tivemos eventos relevantes capazes de alterar grandes portfólios nas duas empresas mais relevantes do Brasil: primeiro a Petrobras, com o grande esquema de corrupção, e agora a Vale”, lembra Figueiredo. “O acidente da Vale cria um mal-estar [entre os investidores].”
A situação só se agravou quando o vice-presidente Hamilton Mourão, na segunda-feira, afirmou que o governo federal estava estudando a possibilidade de trocar a diretoria da Vale. A intervenção seria uma contradição aos princípios liberais do governo – especialmente ao “Chicago boy” Paulo Guedes, ministro da Economia. “Se isso acontecesse, seria bem ruim. Seria uma surpresa negativa. Espero que não façam”, afirma Legat.
Na terça-feira, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, recuou e disse que não haverá intervenção do governo no comando da Vale. A ideia teria sido um “mau sinal” para a economia. A imprensa especulou, contudo, que por trás do recuo está o lobby da mineração.
O ex-deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG), por exemplo, um conhecido defensor dos interesses de mineradoras, integra a equipe de Lorenzoni na Casa Civil e assessora o governo nesse sentido. Em sua última legislatura na Câmara, que terminou em 2018, ele impediu uma emenda na lei que aumentaria o controle de barragens de rejeitos.
A influência do lobby da mineração viola uma promessa de Bolsonaro, afirma D’Ávila. “O governo prometeu que não ia se dobrar a influências políticas. Bolsonaro disse que não teria ‘toma-lá-dá-cá’, que seria o critério técnico quem decidiria. Então agora quero ver.”
D’Ávila acredita que, do exterior, em vez de investimento, virá ainda mais pressão sobre o governo. “A Vale tem uma boa parte do seu capital na Bolsa de Nova York”, lembra ele. Na terça-feira, foi anunciado que acionistas americanos estão preparando ações coletivas contra a Vale e seus diretores. “Mande o mercado para o inferno, e ele vai arrumar algo para fazer lá.”
Fonte: Deutsche Welle