O mundo é um lugar cada vez mais urbano. Atualmente, mais da metade da população mundial vive em cidades, e este número tende a aumentar. A Organização das Nações Unidas prevê que, até 2050, 68% da população mundial viverá em centros urbanos. Ao mesmo tempo, a Organização Mundial da Saúde estima que mais de 450 milhões de pessoas ao redor do mundo sofrem de algum distúrbio mental, um número que também se espera que aumente nos próximos anos. De acordo com um novo estudo, estes dados estão diretamente relacionados.
Utilizando como base dados de satélite de 1985 a 2013, pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, mapearam a presença de espaços verdes em torno dos lares de infância de quase um milhão de dinamarqueses e compararam esses dados com o risco de desenvolver um dos 16 transtornos mentais diferentes mais tarde na vida.
O estudo, publicado hoje na revista PNAS, mostra que crianças cercadas por grandes quantidades de espaços verdes na infância têm um risco até 55% menor de desenvolver um transtorno mental – mesmo após o ajuste para outros fatores de risco conhecidos. como status socioeconômico, urbanização e histórico familiar de transtornos mentais.
Conjunto grande e rico de dados
Estudos menores feitos anteriormente já sugeriram que a falta de espaço verde aumenta o risco de transtornos de humor e esquizofrenia e pode até afetar o desenvolvimento cognitivo. Mas fatores mais práticos, como status socioeconômico, histórico familiar de doença mental e urbanização também podem ter grandes efeitos sobre a saúde mental. As famílias mais ricas, por exemplo, podem ter condições de morar em bairros com mais acesso à natureza e também ter acesso a outros recursos relacionados à riqueza que poderiam melhorar o desenvolvimento infantil.
Para isolar os efeitos da natureza de tantos fatores, é necessário um conjunto grande e rico de dados – como o que existe no sistema de registro civil dinamarquês.
Criado em 1968, o sistema atribui um número de identificação pessoal a cada cidadão dinamarquês e registra o sexo, o local de nascimento e os PINs dos pais. Um PIN liga indivíduos em vários bancos de dados, incluindo registros de saúde mental, e é atualizado com mudanças de residência. O conjunto de dados final dos pesquisadores compreendia quase 1 milhão de dinamarqueses que nasceram entre 1985 e 2003 e para os quais eles tinham registros longitudinais de saúde mental, status socioeconômico e local de residência.
Dados de satélite que se estendem desde 1985 permitiram aos pesquisadores calcular a densidade da vegetação em torno de cada residência. Infelizmente, esses dados não conseguem distinguir uma floresta de crescimento antigo de um campo coberto de vegetação, mas, em geral, quanto mais vegetação for acumulada em um lote de terra, maior a densidade da vegetação.
“A escala deste estudo é uma coisa e tanto. É uma fonte incrivelmente rica de dados”, diz Kelly Lambert, neurocientista da Universidade de Richmond, nos EUA, que estuda os efeitos psicológicos dos espaços naturais, em entrevista ao portal da Rádio Pública Nacional dos EUA.
“Nossos dados são únicos. Tivemos a oportunidade de usar uma enorme quantidade de dados de registros dinamarqueses de, entre outras coisas, localização residencial e diagnósticos de doenças e compará-los com imagens de satélite revelando a extensão do espaço verde em torno de cada indivíduo durante o crescimento”, conta em matéria publicada no site da universidade a pós-doutora Kristine Engemann, do Departamento de Biociência e do Centro Nacional de Pesquisa em Registros da Universidade de Aarhus e líder do estudo.
Menos estresse, mais árvores
Pesquisas já mostraram que o ruído, a poluição do ar, as infecções e as más condições socioeconômicas aumentam o risco de desenvolver um transtorno mental. Por outro lado, outros estudos mostraram que mais espaço verde na área local cria maior coesão social e aumenta o nível de atividade física das pessoas e pode melhorar o desenvolvimento cognitivo das crianças. Estes são todos fatores que podem ter um impacto na saúde mental das pessoas.
“Com nosso conjunto de dados, mostramos que o risco de desenvolver um transtorno mental diminui gradativamente quanto mais tempo você estiver cercado por espaços verdes desde o nascimento até os 10 anos de idade. O espaço verde durante toda a infância é extremamente importante”, explica Engemann.
Os resultados encontrados pelo estudo variavam de acordo com a doença. O alcoolismo, por exemplo, estava mais fortemente associado à falta de espaço verde durante crescimento, enquanto o risco de desenvolver uma deficiência intelectual não estava de forma alguma associado às áreas verdes na infância.
Os pesquisadores acreditam que estas descobertas são uma indicação robusta de uma relação próxima entre espaço verde, vida urbana e transtornos mentais, uma vez que outros fatores ligados aos problemas mentais foram considerados. “Há evidências crescentes de que o ambiente natural desempenha um papel maior para a saúde mental do que se pensava anteriormente. Nosso estudo é importante para nos dar uma melhor compreensão de sua importância em toda a população”, defende Engemann.
Esse conhecimento tem implicações importantes para o planejamento urbano sustentável., já que há indícios de que uma proporção cada vez maior da população mundial viverá nas cidades nos próximos anos
“A ligação entre saúde mental e acesso a espaços verdes em sua área local é algo que deve ser considerado ainda mais no planejamento urbano para garantir cidades mais verdes e saudáveis e melhorar a saúde mental dos residentes urbanos no futuro”, acrescenta o co-autor Jens-Christian Svenning, professor do Departamento de Biociência da Universidade de Aarhus. [NPR, Universidade de Aarhus]
Fonte: Hypescience