Ao menos 12 pessoas morreram na região metropolitana de São Paulo com os desdobramentos das chuvas que caíram desde a noite deste domingo (11). Segundo especialista ouvido pela BBC News Brasil, a forma de ocupação da cidade e a ausência de obras de drenagem contribuem para que tragédias como esta sejam frequentes nos inícios de ano.
O urbanista Gilson Lameira é professor da cadeira de infraestrutura urbana da Universidade Federal do ABC (UFABC) – o campus da instituição em Santo André ficou ilhado.
Segundo ele, não é possível afirmar que catástrofes como esta estejam relacionadas com as mudanças climáticas: historicamente, a região metropolitana de São Paulo é um local com grande nível de chuvas. “Estatisticamente, estas taxas de chuvas não são novidades. As chuvas nessa região já foram até maiores. Diminuíram nos últimos 15 anos, e agora parecem estar voltando ao patamar anterior”, diz ele.
Em um balanço apresentado na manhã desta segunda-feira, a Prefeitura de São Paulo disse que a região recebeu, desde o dia 1º de março, mais de 90% do volume de chuvas esperado para todo o mês de março. Foram 160,8 milímetros de chuva – esperava-se, para março, um volume total de chuvas da de 177,4 milímetros.
Só entre as 19h de domingo e as 7h de segunda-feira, a capital paulistana acumulou 57,8 milímetros, o que corresponde a quase um terço do esperado para todo o mês.
A chuva forte provocou mortes na capital e em outros cinco municípios da região metropolitana. Segundo o Corpo de Bombeiros paulista, seis pessoas foram vítimas de afogamentos e outras cinco morreram em deslizamentos de terra – o 12º óbito ocorreu quando um carro caiu dentro de um córrego em Santo André.
O maior número de mortes foi em Ribeirão Pires, município de 121 mil habitantes que faz divisa com bairros da Zona Leste de São Paulo. Quatro pessoas perderam a vida no local, em deslizamentos de terra.
Em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, três pessoas morreram afogadas; e outras três morreram desta forma em Santo André. Embu das Artes, São Bernardo do Campo e São Paulo também registraram uma morte por afogamento cada.
As quatro mortes ocorridas em Ribeirão Pires foram de pessoas que estavam em uma casa no bairro de Estância das Rosas, que desabou. Além das mortes, mais duas pessoas ficaram feridas.
O Corpo dos Bombeiros também recebeu 601 chamadas para atender a ocorrências ao longo da madrugada de segunda-feira.
Os danos não se resumem às vidas perdidas.
No pior momento das enchentes, a cidade registrou 52 pontos de alagamento – muitos deles com interrupção do trânsito, o que provocou a maior lentidão do tráfego do ano na cidade até agora.
Além disso, uma fábrica de caminhões da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo foi atingida por alagamentos e interrompeu a produção nesta segunda-feira. Em nota, a empresa disse que está “trabalhando para realizar os procedimentos de limpeza e manutenções necessárias para que a fábrica volte a operar o mais rápido possível”.
‘A água não está aparecendo em nenhum lugar exótico’
Lameira diz que um dos motivos da persistência do problema é a falta de acesso à moradia e ao espaço urbano. “Há uma lei (estadual) do ano de 1970, a lei de mananciais, que proíbe a ocupação de áreas alagadiças. É uma lei boa, rigorosa, e não obstante há dois milhões de pessoas morando nestas áreas na região metropolitana de São Paulo”, diz ele.
“Não há que se falar em ‘falta de planejamento’, nesse caso”, diz ele. Ou seja: há regras para o uso do solo em São Paulo, mas elas não são seguidas porque os moradores simplesmente não têm alternativas, diz o professor.
“A água não está aparecendo em nenhum lugar exótico. A gente é que ocupou o lugar onde a água sempre esteve”, diz o professor. “Cem anos atrás, a técnica que foi usada para ocupar estes lugares funcionava bem. Mas o próprio crescimento da metrópole tornou essa forma de lidar com a água obsoleta”, diz ele.
Mas quais são as técnicas? Lameiras dá o exemplo dos “piscinões”, que são grandes tanques de contenção de água feitos para reter o excesso de volume dos rios. Quando o rio enche, uma parte do excedente de água acaba nestes reservatórios, ao invés de alagar as ruas ao redor. Só na cidade de São Paulo são 22 deles – há outros nos municípios do ABC Paulista.
No caso do ABC Paulista, os piscinões construídos nos anos 1990 deveriam ter sido acompanhados por um conjunto de grandes dutos subterrâneos que escoariam o excesso de água para fora da cidade, num processo conhecido como “reversão do curso” dos rios, diz Lameira – mas, na época, optou-se por não fazer estes dutos. Agora, diz o professor, dificilmente haveria condições para construí-los.
Em 17 de fevereiro, quatro crianças morreram em dois desabamentos em Mauá, na região do ABC, após um temporal. As vítimas, de 1, 4, 7 e 8 anos, foram todas soterradas.
Outras capitais e grandes centros urbanos do país também sofrem com a questão. No início de fevereiro, uma tempestade que atingiu o Rio de Janeiro deixou ao menos seis mortos na Rocinha (Zona Sul), no Vidigal (Zona Sul) e em Barra de Guaratiba (Zona Oeste).
Mais de um mês de alagamento
Pelo menos sete ruas dos bairros localizados em São Miguel Paulista, distrito da zona leste de São Paulo, estão embaixo d’água há mais de um mês. O mau cheiro causado pelo excesso de lixo e animais mortos embrulha o estômago até mesmo dentro das casas. Quem vive no local não consegue sair de casa sem afundar o pé na água suja do rio Tietê.
Nesta semana, a reportagem da BBC News Brasil visitou o local e conversou com dezenas de moradores, que relataram ter contraído várias doenças diferentes – como leptospirose, dengue e hepatite – por conta da água represada no bairro em períodos chuvosos há pelo menos dez anos. Entre os sintomas manifestados, estão infecções, febre, diarreia e vômito.
Fonte: BBC