Tudo começou quando uma onda passou pelo estado americano de Oklahoma em 24 de junho, um pouco antes das 11h11, hora local. Ativou um sismógrafo depois do outro, parecendo ping-pong por centenas de quilômetros ao longo da região. Essa onda não simplesmente passou – pulsou como um batimento cardíaco geológico por cerca de 10 minutos.
“Bom, isso é estranho”, pensou o geofísico Jake Walter do Oklahoma Geological Survey. Ele avistou a pulsação regular enquanto passava por uma TV de tela plana grande no laboratório sísmico da OGS. Primeiro ele achou que podia ser uma falha nos instrumentos de monitoramento, mas quando isso acontece, o sinal é limitado a apenas um instrumento. O zumbido daquela manhã, como ele descobriu depois, agitou 52 estações em todo o estado.
Andrew Thiel, um analista da OGS, encarregado de investigar o evento, rastreou sinais similares desde março. Durante o verão, as ondas passaram pelo estado com frequência, intensidade e difusão crescentes, às vezes, permanecendo por mais de 20 minutos. Mas sempre aconteciam pela manhã, e nunca nos domingos.
Depois de uma perseguição labiríntica, o time descobriu pelo menos parte da resposta: O sinal estranho se origina no McAlester Army Ammunition Plant. Mas mesmo com uma origem em mãos, o caso está longe de ser fechado. Cientistas ainda estão procurando pistas de como as ondas viajaram tão longe, e porque elas mudaram com o tempo.
“Ainda há muita coisa estranha aqui”, diz Joshua Carmichael, do Laboratório Nacional de Los Alamos, que analisou os dados do terremoto a pedido da National Geographic.
Estudar esses eventos é útil para a ciência, diz Carmichael, que faz parte de um grupo que desenvolve ferramentas físicas e matemáticas para monitorar atividade nuclear no exterior. Para começar, achar a fonte de cada sinal estranho que passa pode ajudar pesquisadores a distinguir mais facilmente o comum do incomum.
“Frequentemente há ‘barulho’ detectado nas estações, que pode ser um caminhão ou uma vaca passando pelo sensor (sem brincadeira)”, aponta Thiel, por e-mail. Descobrir que sinais vêm de cada tipo de fonte – sendo Buick ou bovina – pode ajudar a construir uma base de referência para identificar fenômenos naturais curiosos ou até ameaças à segurança global, como o barulho distante de um teste de bomba nuclear.
“Sempre vale a pena pesquisar e não descartar imediatamente alguma coisa que não parece exatamente com um terremoto”, adiciona Elizabeth Cochran, uma sismóloga do Serviço Geológico dos Estados Unidos.
Anomalia?
Terremotos normais são resultado de tensões lentamente construídas na crosta e manto superior da Terra, criadas pela marcha em câmera lenta de placas tectônicas. Mais comumente em Oklahoma, terremotos vêm da injeção de fluídos residuais de operações de óleo e gás no subsolo.
Eventualmente, as tensões atingem um ponto de ruptura, forçando a superfície a se deslocar de repente, e isso envia uma série de ondas sísmicas. Enquanto a energia viaja para fora, se divide em uma série de tipos de ondas: Primeiro, existem as ondas corporais de alta frequência que se movem em grupos como uma mola comprimida ou em oscilações de um lado para outro. Atrás delas vêm as ondas superficiais de baixa frequência, algumas das quais fazer terra firme se movimentar como um oceano.
No caso do sinal estranho, as ondas corporais foram notoriamente ausentes. O sinal também pulsava anormalmente, chegando em batidas curtas normalmente separadas por 20 segundos, com intensidade tão forte quanto um tremor de magnitude 2.2.
“Nós batizamos esse padrão acústico de ‘A Anomalia’”, escreveu Thiel em um blog detalhando o evento.
Thiel e seus colegas passaram mais de um mês investigando com poucas descobertas no caso. Ao mesmo tempo, o sinal ficava mais frequente, se espalhando por uma faixa mais ampla do estado.
As ondas – e suas esquisitices – não passaram despercebidas pelo público. Várias pessoas ligaram para Comissão da Corporação de Oklahoma, que administra os serviços públicos do estado, para relatar barulhos estranhos descritos como mini explosões ou batidas. Uma pessoa disse que lembrava uma explosão de pedreira.
“Alguns dos residentes foram capazes de especificar, posso sentir que parece diferente, o barulho é diferente do que alguns terremotos que eu senti”, diz a porta-voz da comissão, Sarah Terry-Cobo. Os investigadores foram à casa de um residente para escutar, mas a fonte do barulho curioso os escapou.
“Tem sido muito perplexo para nós, tentar compreender isso”, diz Terry-Cobo.
O coração da batida
Eventualmente, Carmichael e pesquisadores da OGS começaram a procurar um culpado. O sinal parecia vir do Sudoeste, onde fica a McAlester Army Ammunition Plant. Lá, explosões fazem parte do cotidiano, sacudindo janelas e levantando nuvens de sujeira no ar.
A confirmação desse palpite finalmente chegou em 16 de agosto, quando Thiel entrou em contato com Gideon Rogers, um porta-voz da instalação. A instalação descarta munição antiga toda manhã às 11h, exceto nos domingos, em explosões separadas por pausas de 20 segundos.
Um pedido de detalhes adicionais sobre suas atividades ainda está pendente. Mas Carmichael suspeita que a munição esteja separada em pequenos grupos que são detonados sequencialmente, para evitar acertar populações próximas com uma única grande explosão. Isso mandaria pulsos de energia que podem explicar a batida geológica incomum no estado.
Alguns dos efeitos ping-pong confusos podem ter sido porque os cientistas estavam focados em procurar padrões, como examinar os pontos individuais em uma pintura pontilhista. Percebendo que a fonte era McAlester – que está localizada mais a sudoeste que a vasta maioria dos detectores – ajudou a dar um passo para trás e ver o quadro geral.
“Era apenas ver os dados de uma maneira diferente da qual estamos acostumados”, diz Thiel.
Pela terra ou pelo ar
Mas a maneira como a energia de supostas pequenas explosões acabou viajando o estado, deixou os pesquisadores debatendo. Estimativas de velocidade sugerem que o sinal atravessou Oklahoma bem mais devagar do que a energia normalmente se move pelo solo – durante um terremoto, por exemplo, ondas superficiais geralmente se propagam a aproximadamente 3,540 quilômetros por hora.
Uma possibilidade é que os sismógrafos estejam captando ondas de som. O som pode viajar incrivelmente rápido, diz Jeffrey Johnson, da Universidade Estadual de Boise, um especialista no uso de infrassom para estudar vulcões. No entanto, não aparecem necessariamente nos sismógrafos.
Explosões em especial enviam um conjunto de ondas acústicas em diferentes frequências, a mais baixa delas, conhecida como infrassom, viaja mais longe. Infrassom pode sair da atmosfera, onde o ar se enfria constantemente e depois esquenta novamente. Essas camadas de calor podem pressionar as ondas de volta ao solo em zonas concêntricas como um alvo.
Tal som pode estar balançando o solo – similar a uma batida de baixo balançando a janela do carro – ou até chacoalhar as placas solares sobre os instrumentos. São detectores extremamente sensíveis, Thiel explica por e-mail: “Nós até tentamos instalar estações longe de árvores, onde as folhas e galhos balançam com o vento, produzindo movimento na raiz da árvore, o que poderia contribuir com barulho para o sensor.”
De acordo com Johnson, que revisou a análise do evento da OGS a pedido da National Geographic, “são definitivamente ondas acústicas.”
Uma oscilação abaixo
Mas Carmichael descobriu uma coisa que sugere que o som talvez não seja o único fenômeno em ação. O movimento dos pulsos registrados por muitos dos sismógrafos aponta para uma onda superficial radiando pelo solo. Embora rara, uma onda superficial lenta não é impossível, ele diz, e talvez nas certas condições atmosféricas e geológicas, tal onda pode ir muito longe.
“A natureza está conspirando para fazer o sinal viajar de tal maneira que não podemos dizer se são acústicas ou sísmicas”, ele diz.
Estudos de explosões próximas à superfície, como um ataque em 2006 a uma base militar dos EUA no Iraque, revelam energia viajando de diversas maneiras. Parte dessa energia viaja ao longo da interface entre a terra e o céu em um par de ondas – uma na superfície rasa e outra no ar logo acima do solo.
Tal emparelhamento poderia permitir que as ondas se alimentem entre si, “aumentando” a energia, diz Carmichael, e forçando a dupla a viajar em uma velocidade intermediária – que é lenta para uma onda superficial, mas é rápida para uma onda aérea. Ondas acústicas retornando do céu complicam a situação, pois podem acoplar-se ao solo e aumentar ondas em potencial que estão passando.
Johnson concorda que tal onda é possível. Thiel e Walter, no entanto, permanecem céticos.
“Pode estar errado”, Carmichael admite. “Mas o legal da ciência é que quando você está errado, você sempre aprende algo novo.”
Juntos, ele e a equipe da OGS esperam encontrar mais respostas enquanto vasculham o enorme banco de dados, examinando como a atmosfera local e outros fenômenos naturais podem influenciar nas correntes observadas. Com sorte, e com mais informação da instalação de munições, eles possam conseguir mais respostas.
Por sua vez, Carmichael está animado para se aprofundar: “Adoro estudar sinais estranhos e misteriosos. É excitante. Meio que desperta o Scooby-Doo em mim.
Fonte: Maya Wei-Haas National Geographic