Conforme diversas fábricas fecharam e carros pararam de circular na China devido à quarentena imposta pelo surto de coronavírus, quem se beneficiou da drástica diminuição de emissões de gases nocivos foi o planeta Terra.
“É a primeira vez que vejo uma queda tão dramática em uma área tão ampla para um evento específico”, disse Fei Liu, pesquisadora de qualidade do ar do Centro de Voo Espacial Goddard, da NASA. “Não estou surpresa porque muitas cidades em todo o país adotaram medidas para minimizar a propagação do vírus”.
Diminuição de dióxido de nitrogênio e dióxido de carbono
Além disso, imagens de satélite da NASA e da ESA (Agência Espacial Europeia) mostraram uma redução dramática nas emissões de dióxido de nitrogênio nas principais cidades do país nos últimos dois meses, um gás emitido por veículos, usinas e instalações industriais.
Um padrão semelhante foi observado em relação ao dióxido de carbono, liberado a partir da queima de combustíveis fósseis, como o carvão.
De acordo com o Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo (CREA), de 3 de fevereiro à 1 de março, as emissões de CO2 diminuíram pelo menos 25% como consequência de medidas adotadas para conter o coronavírus.
Como a maior poluidora do mundo, a China contribui para 30% das emissões globais anuais de dióxido de carbono, de forma que o impacto dessa queda é enorme. O CREA estima que seja equivalente à 200 milhões de toneladas de CO2, mais da metade do total de emissões do Reino Unido.
Carvão
Segundo o CREA, a queda na produção de petróleo e aço e uma redução de 70% nos voos domésticos contribuíram para a diminuição das emissões, mas o principal fator nessa mudança é o uso de carvão da China.
A China é a maior produtora e consumidora de carvão do mundo, tendo utilizado esse recurso em 59% da geração de energia no país em 2018. Além de ser usado em usinas e outras indústrias, o carvão também é a única fonte de calor para milhões de residências nas vastas áreas rurais chinesas.
Estimativas indicaram que as principais usinas a carvão do país tiveram uma queda de 36% no consumo de 3 de fevereiro a 1 de março em comparação com o mesmo período do ano passado.
Hong Kong
Na vizinha Hong Kong, a qualidade do ar também melhorou desde que a cidade adotou algumas medidas para conter a disseminação do coronavírus. Essas medidas não foram nem de longe tão drásticas quanto as da China continental, mas houve um impacto significativo mesmo assim.
Segundo dados da Universidade de Hong Kong, de janeiro a fevereiro, os principais poluentes do ar caíram quase um terço. Nas áreas mais movimentadas de Hong Kong (Central, Causeway Bay e Mongkok), o poluente PM2,5 de partículas finas diminuiu 32%, o poluente PM10 de partículas maiores caiu até 29% e o dióxido de nitrogênio caiu até 22%.
Esse declínio está diretamente relacionado com a introdução de medidas do governo como incentivo ao trabalho remoto, fechamento de instalações públicas e fechamento parcial da fronteira com a China.
“Muitas pessoas trabalham em casa e isso reduziu o tráfego e o congestionamento”, disse Patrick Fung, presidente da Clean Air Network.
E depois que a pandemia passar?
Enquanto as medidas de quarentena têm sido excelentes para conter o espalhamento do vírus e para a saúde do planeta, o que acontecerá com os níveis de poluição da China uma vez que o surto passar e o país quiser aquecer sua economia novamente?
Os cientistas temem que os níveis de produtos químicos tóxicos fiquem ainda mais altos do que antes da epidemia. A preocupação é de que China foque exclusivamente em “reiniciar” sua economia, a custo do meio ambiente.
Existem precedentes para tanto, infelizmente. Em 2009, o governo chinês lançou um pacote enorme de US$ 586 bilhões em resposta à crise financeira global, sendo que a maioria dos recursos era destinada a projetos de infraestrutura de larga escala.
Segundo Li Shuo, consultor de política climática do Greenpeace no Leste da Ásia, esse “efeito de recuperação” às vezes pode reverter qualquer queda geral nas emissões.
“Pode haver uma série de estímulos econômicos que injetariam créditos baratos para indústrias pesadas na China e, como resultado, poderemos ver poluentes e emissões de carbono crescentes no segundo semestre deste ano”, afirmou.
Mas também existem esperanças. No caso do pacote de 2009, a explosão de poluição resultante nos anos seguintes – particularmente o inverno de céu completamente cinza de 2012 e 2013 – provocou protestos públicos que deram início ao primeiro plano de ação ambiental do governo chinês.
Mais tarde, em 2017, o presidente Xi Jinping fez novas promessas de combater a poluição da China. As políticas que de fato foram aplicadas tiveram consequências positivas, com a poluição geral diminuindo 10% entre 2017 e 2018.
Os ativistas climáticos veem a crise do coronavírus como uma oportunidade para continuar as reformas ambientais propostas.
Enquanto o presidente Xi deixou claro que os trabalhadores e as fábricas precisam aumentar a atividade o mais rápido possível para evitar uma desaceleração econômica, os cientistas esperam que a China tenha aprendido as lições do passado.
Lauri Myllyvirta, analista líder do CREA, alerta sobre uma reação pública se o céu ficar cinza novamente. “A redução da poluição do ar foi muito clara; portanto, se a poluição voltar por causa de medidas de estímulo, por causa da indústria pesada entrar em excesso para compensar o tempo perdido, poderá haver uma reação contrária”, disse. [CNN]
Fonte: Hypescience