Como podemos sair da crise do coronavírus preparados para a próxima

Investir em negócios verdes é a saída inteligente para recuperar a economia e ajudar a conter a tragédia já anunciada das mudanças climáticas

Painéis solares: as perdas provocadas pelas mudanças climáticas tendem a ser muito maiores que aquelas trazidas pelo coronavírus (Depto. de Transporte do Oregon/Divulgação)

O coronavírus parou o mundo muito rapidamente. Apenas alguns loucos questionam que vivemos uma das maiores crises da história humana. Poucas tragédias se comparam na dimensão do trauma, nas perdas humanas e na destruição econômica. No entanto, por pior que seja a pandemia, sabemos que ela vai passar. Provavelmente por uma combinação de vacinas, tratamentos, profilaxia e (infelizmente) imunização involuntária, sairemos da fase aguda da epidemia e começaremos a normalizar a vida em até quatro anos. Já a outra crise global, provocada pelas mudanças climáticas em curso, estará aqui agravando-se e gerando também perdas humanas e econômicas por muitas décadas, provavelmente alguns séculos.

Com isso em vista, o maior grupo de investidores do mundo está se antecipando e divulgando orientações para que usemos nossos recursos de forma inteligente. Podemos canalizar os esforços para a recuperação da crise da covid-19 para começar a reduzir os impactos da crise do clima. A primeira boa notícia é que já temos conhecimento para isso. A segunda é que essa decisão de enfrentar a crise do clima junto com a recessão do coronavírus vai nos entregar um mundo bem melhor para viver. Apostar em soluções para a resiliência climáticas geralmente resulta em melhor qualidade de vida e justiça social para todos.

O CDP é uma organização criada pelos maiores fundos de investimento do mundo para incentivar as empresas de capital aberto a se preparar para as mudanças climáticas. O que eles falam representa a vontade de fundos que movimentam US$ 96 trilhões em ativos. No início de maio, o CDP lançou, em parceria com outras sete instituições, uma carta de recomendações para a recuperação econômica.

Escrita por investidores e direcionada aos governos, a carta ressalta a necessidade de mais investimento para negócios sustentáveis e verdes, acelerando a transição para a economia de baixo carbono. “A iniciativa The Investor Agenda se propõe a acelerar e ampliar ações essenciais para combater as mudanças climáticas e alcançar os objetivos do Acordo de Paris. Com todo cenário da pandemia e consequente recessão econômica, entendemos que é fundamental reforçar a retomada da economia baseada em ações de enfrentamento à crise climática, de maneira sustentável e socialmente inclusiva,” afirma o diretor executivo do CDP Latin America, Lauro Marins.

Projetos de infraestrutura são um caminho frequentemente usado para estimular economias, algo que será muito necessário após a pandemia. É o que explica o Gerente de Finanças Verdes e Relações com Investidores do CDP, Diogo Negrão. “Investir em um futuro pós-Covid está no topo da lista para muitos. E há recurso para isso”, completa. Os governos deveriam garantir que esses investimentos fossem direcionados para projetos de infraestrutura sustentáveis, tecnologicamente avançados e resilientes.

Com isso em mente, The Investor Agenda quer, de forma colaborativa, amplificar as vozes dos investidores e iniciativas que têm o Acordo de Paris como norteador de suas decisões. A ideia é engajar investidores, reguladores e formuladores de políticas para que eles trabalhem juntos alinhando o mercado financeiro à essa necessidade. “Devemos garantir que os pacotes de renovação de longo prazo acelerem nossa economia, tornando-a mais resiliente, inclusiva e carbono zero. Ela deve funcionar em harmonia com a natureza, e não nos levar de volta à produção e consumo que sabemos que são insustentáveis, nos deixando expostos ao risco de aumento de crises futuras”, explica o CEO do CDP, o britânico Paul Simpson.

A carta, que traz uma série de recomendações para uma recuperação sustentável, reforça que os investidores serão peça-chave para ajudar os governos e acelerar a recuperação econômica pós-covid. O documento pede que esse investimento privado seja canalizado para os ativos que levem em conta o risco climático que, a longo prazo, também tem impactos financeiros e econômicos. Outro pedido é que os governos priorizem, em seus planos de recuperação, a sustentabilidade e a equidade. “Os esforços de recuperação econômica são mais bem direcionados para onde a criação de empregos pode ser combinada com sistemas de energia, industrial, construção e de transporte de emissões líquidas zero, juntamente com medidas de resiliência climática e outras infraestruturas sustentáveis que fortalecerão nossas sociedades e manterão os sistemas naturais”, diz o documento.

Tem investidor que já está faz isso há algum tempo. Um deles é Fabio Alperowitch, sócio e cofundador da CFA Society Brazil (Chartered Financial Analyst), um dos maiores sistemas de formação de profissionais do setor financeiro. Fabio garante que, além de estarem mais alinhados com seus valores pessoais, investimentos que levem em conta as questões ambientais e sociais trazem menos risco e mais retorno, especialmente a longo prazo. “Até muito pouco tempo atrás esse tipo de assunto não era bem visto no mercado financeiro e, por isso, ainda estamos meio que na idade da pedra no que tange à sustentabilidade. Mas precisamos entender que isso não é papo de acadêmico, é realidade e afeta a todos.”

Para ele, o problema climático é centenas de vezes mais destruidor do que a covid-19. Por isso, deixa um recado aos colegas: “saiam só do mundo financeiro, há coisas muito relevantes acontecendo à sua volta, as decisões das empresas impactam o social e o meio ambiente e seremos cobradas por isso, especialmente por investidores estrangeiros. A pergunta básica daqui a alguns anos será: o que você fez em 2020?”

O CEO e fundador da fintech de créditos de carbono Moss.earth, Luis Felipe Adaime, lembra que o Brasil tem potencial reconhecido por organismos internacionais de investimentos. “A gestora global Schroder’s escreveu recentemente que o Brasil é a Arábia Saudita do crédito de carbono. O potencial do Brasil para geração e certificação de créditos de carbono, segundo esse estudo, é enorme: geramos 5 milhões de toneladas ao ano, mas como detemos 40% das florestas tropicais do mundo, temos o potencial de gerar 1,5 bilhão de toneladas ao ano. Se o preço destes créditos no Brasil se equiparar eventualmente ao preço atual europeu, essa venda de créditos geraria US$ 45 bilhões de exportações extras ao Brasil, ou um crescimento extra de 3% ao ano para o país”, explica.

Para ele, a crise do novo coronavírus escancarou o impacto humano no meio ambiente, aumentando o nível de solidariedade e coesão social. “Creio que ela também aumentará a predisposição a investimentos de impacto e esse aumento de demanda pode levar, finalmente, à realização da vocação brasileira como potência ambiental global”, completa.

A posição do CDP reflete uma tendência geral dos investimentos. Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (ICS), afirma que a transição para um economia de baixo carbono certamente estará entre os impactos de longo prazo da crise. É um setor que já está em crescimento em todo o mundo, apesar de ainda pouco desenvolvido no Brasil. “A transição de muitos negócios para os meios digitais, por exemplo, acabou sendo uma aceleração desse processo, mesmo que pelas razões erradas”. Ele acredita que temos agora uma oportunidade de olhar para isso pelas razões certas, como o alinhamento dos investimentos com valores humanos e em conformidade com acordos internacionais.

Os organismos internacionais que orientarão a recuperação econômica já estão apontando na direção da economia boa para o clima. os governos precisarão de ajuda para se recuperar da crise e quem estiver alinhado a essa demanda pode sair na frente. O Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou que deve emprestar 1 trilhão de dólares aos países atingidos pela pandemia e sua CEO, Kristalina Georgieva, tem sinalizado que quem receber o dinheiro deve utilizar esse recurso para combater as mudanças climáticas.

A diretora do FMI sugeriu que os governos considerem a tributação do carbono para aumentar a receita neste momento de recuperação e, ao mesmo tempo, incentivem as empresas a reduzirem as suas emissões. “Estamos prestes a implantar um enorme e gigantesco estímulo fiscal e podemos fazê-lo de uma maneira que enfrentemos as duas crises ao mesmo tempo”, afirmou Kristalina, em reunião virtual sobre financiamento climático. “Se nosso mundo sair dessa crise mais resistente, precisamos fazer tudo em nosso poder para que essa seja uma recuperação verde”, concluiu.

Fonte: Exame