Comunidades pequenas de insetos respondem de maneira menos previsível às mudanças ambientais

Pesquisadores estudaram insetos em riachos da Mata Atlântica e das florestas frias da Finlândia. E descobriram que eventos aleatórios são mais preponderantes aqui do que lá (riacho da Mata Atlântica; foto: Tadeu Siqueira/Unesp)

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – As comunidades de insetos aquáticos são muito menores nas florestas tropicais brasileiras do que nas florestas boreais finlandesas. Isso faz com que a resposta das comunidades às variações ambientais tenha um componente de aleatoriedade bem maior aqui do que lá. Na Mata Atlântica, a biodiversidade pode mudar com as mudanças no ambiente, mas não da maneira esperada.

A descoberta foi feita por pesquisadores vinculados ao projeto “Scaling biodiversity in tropical and boreal streams: implications for diversity mapping and environmental assessment (ScaleBio)”, coordenado no Brasil pelo professor Tadeu Siqueira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro. E recebeu apoio da FAPESP no âmbito de convênio com a Academy of Finland (AKA). Os resultados foram publicados na revista Ecology, da Ecological Society of America.

“O estudo mostrou que existe um gradiente de tamanho de comunidades e que isso pode estar relacionado com o clima. As comunidades no Brasil têm, em média, cinco vezes menos insetos do que as comunidades na Finlândia. E o fato de serem menores faz com que estejam muito mais sujeitas a eventos demográficos aleatórios. Por isso, elas variam de modo menos previsível”, diz Siqueira.

O pesquisador explicou que uma parte das variações encontradas na natureza segue processos determinísticos, gerando uma relação forte entre a distribuição e abundância das espécies e as condições ambientais. Mas existe também uma parte das variações que parece acontecer de forma aleatória, estocástica. Neste cenário, o processo de montagem das comunidades pode evoluir de muitas maneiras diferentes. Isso é chamado de “deriva ecológica”.

A expressão é adequada porque a situação se assemelha à de um barco à deriva. No barco, o motor propulsor responde pelo componente determinístico. Mas, quando o motor falha, o barco fica à deriva, e não se sabe com certeza para onde ele irá.

“No caso da deriva ecológica, não conseguimos prever todos os resultados das mudanças em curso nas comunidades. E, quando o número de indivíduos em um local é baixo, a chance de a deriva ecológica ter um papel relativo mais importante aumenta”, afirma Siqueira.

“Imaginemos que, em uma corredeira de riacho, existam apenas cinco espécies de insetos, cada uma delas com dois ou três indivíduos. A probabilidade de que esses indivíduos morram antes de poder se reproduzir, fazendo com que as respectivas espécies sejam extintas localmente, é muito maior do que no caso de comunidades grandes. Isso pode não ter nada a ver com a temperatura do riacho, com a quantidade de alimento ou com qualquer outro fator ambiental desse tipo. Por acaso, os indivíduos morreram antes de se reproduzir. E, como havia poucos, aquela espécie desapareceu.”

Quando as comunidades são grandes, com muitos indivíduos, a chance de todos morrerem antes de se reproduzir é muito pequena. “É bem provável que alguns consigam sobreviver e se reproduzir. E, se aquele local for adequado para a espécie, a relação espécie-ambiente corresponderá às previsões teóricas. Já a deriva, quando muito importante, quebra essa relação”, diz o pesquisador.

Isso explica por que, no Estado de São Paulo, existem bacias hidrográficas muito impactadas pelo uso do solo – com pastagens, plantações de eucalipto, cultivares de cana-de-açúcar etc. – sem que a biodiversidade responda da maneira esperada à transformação da paisagem. Há situações em que parece mesmo não existir relação alguma. Na verdade, até pode existir relação, mas a forte influência dos eventos aleatórios faz com que as mudanças não correspondam às previsões dos modelos determinísticos.

“Foi para entender esse comportamento inesperado que concebemos o projeto conjunto com os finlandeses. Aplicamos o mesmo método, o mesmo tipo de equipamento para coletar os insetos, o mesmo procedimento na identificação dos espécimes coletados – tudo igual”, informa Siqueira.

O fato de as comunidades de insetos serem muito menores aqui do que lá é contraintuitivo. Mas o pesquisador tem algumas hipóteses, que pretende testar em estudo futuro.

Uma delas é que aqui, como as condições são favoráveis ao longo do ano todo, as espécies estão frequentemente se reproduzindo. Tendem a ter ciclos de vida mais curtos e muitas gerações por ano. Na Finlândia, ao contrário, existe apenas uma janela de oportunidades por ano para o inseto virar adulto, acasalar e colocar seus ovos. E é uma janela bem pequena. No resto do tempo, os indivíduos apenas se alimentam e crescem lentamente. “Pode ser que, na Finlândia, em uma única coleta, sejam capturados todos os indivíduos produzidos em um ano, enquanto na Mata Atlântica brasileira a coleta recolha apenas os indivíduos mais recentes, que ainda não morreram ou migraram para outros nichos”, diz.

“Existe no Brasil uma espécie de inseto, um quironomídeo, que vai de ovo a ovo em sete dias. Já na Finlândia, há espécies que levam dois anos para completar o ciclo de vida. Mas este é tema para um estudo futuro. No estudo que fizemos agora, o que ficou muito claro foi a existência de um gradiente de tamanho de comunidades. Em algumas corredeiras do Brasil, é possível encontrar comunidades com uma a duas dezenas de indivíduos de diferentes espécies. Há também corredeiras mais populosas, com até 300 indivíduos. Mas, na Finlândia, os riachos com o menor número de indivíduos são mais populosos do que isso”, completa.

O pesquisador conclui fazendo uma previsão: “A mudança climática, a redução da área de cobertura nativa, a poluição etc. tendem a diminuir o tamanho dos ecossistemas e das comunidades. Isto deverá tornar o comportamento dos ecossistemas ainda menos previsível e seu manejo ainda mais desafiador”.

Fonte: FAPESP