Ondas de calor intensas, incêndios frequentes e degelo do permafrost: região russa está sentindo os efeitos destrutivos do aquecimento global. Cientistas estão alarmados.
No final de maio, um enorme vazamento de combustível atingiu hidrovias e um lago de água doce perto da cidade ártica de Norilsk, na Sibéria. O derramamento ocorreu quando a região era assolada por um número recorde de incêndios florestais, com o fogo consumindo largas áreas da tundra.
À primeira vista, esses recentes desastres ambientais na Sibéria não parecem estar interligados, mas considerando sua frequência e intensidade, os cientistas afirmam estar claro: eles estão ligados às mudanças climáticas.
A Sibéria é conhecida por seus invernos longos e rigorosos, com temperaturas médias que podem cair até 49 Celsius negativos no extremo nordeste. E mesmo que a temperatura média em julho esteja longe da glacial com seus 19°C, a maior parte do solo permanece congelada durante o verão, no que é conhecido como permafrost.
As temperaturas de verão da Sibéria podem até atingir o pico de 30°C. Mas cientistas veem alarmados as ondas de calor dos últimos anos.
“Tivemos décadas de aquecimento nessa região, que está esquentando mais rápido do que em qualquer outro lugar do planeta”, diz Thomas Smith, professor assistente de geografia ambiental na London School of Economics.
A primeira metade deste ano foi excepcionalmente quente, com temperaturas em julho quase 10 graus acima da média. Neste mês, o mercúrio na cidade de Verkhoyansk, ao norte do Círculo Polar Ártico, atingiu 38°C – um recorde.
Pior ainda: os invernos também estão ficando mais quentes. De acordo com o Centro de Pesquisa Hidrometeorológico da Rússia, este ano foi o mais quente em 130 anos de observações.
Acredita-se que a tendência de aquecimento no Ártico seja duas vezes mais veloz do que a média global, em parte devido a algo chamado amplificação polar.
Geralmente, as calotas de gelo brancas e brilhantes refletem cerca de 80% da radiação solar de volta ao espaço. Porém, temperaturas mais altas fizeram com que as calotas de gelo se afastassem e deixassem para trás águas mais escuras, que absorvem mais os raios do Sol. Isso acelera o processo de fusão e dificulta a formação de novo gelo, acentuando ainda mais o aquecimento.
Ao mesmo tempo, ventos subtropicais mais quentes estão sendo empurrados para o norte com mais frequência devido a uma mudança nas correntes de ar – outro efeito da mudança climática. Tudo isso contribuiu para um clima mais seco e temporadas de incêndios mais destrutivas, sobretudo nos últimos dois anos.
Incêndios mais frequentes
Os incêndios florestais, provocados por raios ou combustão espontânea, fazem parte do ciclo natural do ecossistema relativamente à prova de fogo da Sibéria, repleto de lagos, rios e pântanos. Mas eles são mais frequentes e mais intensos.
“A temporada de incêndios é mais longa. Agora chega mais cedo e termina mais tarde”, diz Anton Beneslavskiy, do Greenpeace na Rússia. A paisagem de degradação deixada após um incêndio impede o crescimento de árvores saudáveis e maduras, que são mais resistentes a chamas. Em vez disso, elas são substituídas por arbustos e pradarias mais inflamáveis.
Segundo Smith, os incêndios ao norte do Círculo Polar Ártico nos meses de junho de 2019 e junho de 2020 combinados foram mais intensos do que “os 16 junhos anteriores somados”. Em observações recentes, ele calcula que entre 2 e 4 milhões de hectares de terra estejam atualmente em chamas no Ártico, liberando mais de 16 megatons de CO2 na atmosfera somente no mês passado.
O Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Alcance (ECMWF) estima que cerca de 100 megatons de CO2 tenham sido liberados pelos incêndios de junho na República Sakha e na vizinha Chukotka, através do Estreito de Bering, no Alasca. Isso equivale, aproximadamente, às emissões anuais de combustíveis fósseis lançadas pela Bélgica em 2017.
“Incêndios zumbis”
Smith acredita que aproximadamente metade dos incêndios que varrem a Sibéria estão em turfeiras, solo naturalmente úmido e rico em carbono, com vários metros de profundidade, e composto por matéria vegetal parcialmente deteriorada que se acumula ao longo de milhares de anos.
Com as mudanças climáticas, é mais provável que essa camada de turfa seque e se torne um barril de pólvora apenas esperando a hora de entrar em combustão. E a queima de turfa libera de 10 a 100 vezes mais carbono do que uma árvore em chamas, de acordo com Guillermo Rein, professor de Ciência do Fogo no Imperial College de Londres.
“Toda vez que turfa queima, é uma contribuição líquida de carbono para a mudança climática. E não se pode desfazê-la”, aponta. Além disso, as chamas das turfeiras são extremamente difíceis de extinguir.
“Estive em um incêndio de turfa e, embora tenha chovido muito por uma hora, ela ainda queimava no final”, disse Smith. “Elas simplesmente ardem até o fim. E é sabido que alguns incêndios de turfa duram meses.” Sabe-se inclusive que eles sobrevivem no subsolo durante os meses de inverno como “incêndios zumbis”, ressurgindo na superfície na primavera.
Rein vê um círculo vicioso: quanto mais turfa e árvores queimam, maiores os gases de efeito estufa liberados na atmosfera. Isso, por sua vez, leva a temperaturas mais altas e florestas e turfeiras mais secas e menos resilientes – e mais incêndios florestais.
O permafrost derrete
Grande parte da turfa queimada na Sibéria fica no permafrost, o que só faz aumentar as preocupações dos cientistas. As mudanças climáticas, intensificadas pelo aumento de incêndios, estão derretendo esse solo congelado e criando uma série de novos problemas.
No norte, muitos edifícios são fixados em palafitas ancoradas no permafrost para maior estabilidade.
Quase 60% de todas as edificações em Norilsk – uma cidade de 177 mil habitantes – foram danificadas por esse permafrost instável, o que faz com que elas se desloquem e se quebrem à medida que o solo afunda. Pelo menos 100 ficaram inabitáveis.
Infraestruturas como estradas, aeroportos e oleodutos também estão em situação de risco. A subsidência também pode ter sido um fator no derramamento maciço de um tanque de diesel colapsado em uma usina perto de Norilsk em maio. Equipes de emergência continuam lutando para impedir que as 21 mil toneladas de combustível cheguem ao Oceano Ártico.
Fumaça tóxica, mais metano
O derretimento do permafrost e a turfa em decomposição também liberam metano, outro gás de efeito estufa que é cerca de 28 vezes mais forte que o dióxido de carbono. Quando o solo derrete, micróbios que sobrevivem há milhares de anos no permafrost transformam todo o carbono orgânico armazenado em dióxido de carbono e metano, que entram na atmosfera e agravam ainda mais as mudanças climáticas.
Quando combinado com a fumaça de incêndios florestais, isso cria uma nuvem tóxica e, com as condições adequadas de vento, pode intensificar a poluição do ar nos principais centros populacionais do leste da Ásia, leste da Europa e na costa oeste da América do Norte.
Essa fumaça contém toda uma gama de compostos orgânicos voláteis, que são muito tóxicos”, diz Mark Parrington, cientista sênior do Serviço de Monitoramento de Atmosfera Copernicus (CAMS) da UE.
Ele acrescenta que tais compostos, juntamente com poluentes secundários como o ozônio, criados quando os óxidos de nitrogênio na fumaça reagem com o metano e a luz do sol, aumentam o material particulado já existente no ar poluído. O aumento de particulados agrava uma ampla gama de problemas de saúde, como asma, doenças respiratórias e câncer.
Um relatório de 2018 do Greenpeace alertou sobre o crescente perigo de incêndios ao redor do mundo. “Se continuarmos ignorando os impactos climáticos dos incêndios, teremos dificuldades em encontrar um caminho viável que limite o aquecimento à meta de 1,5 °C do acordo de Paris”, afirmou o documento.
Juntamente com a Amazônia, a Bacia do Congo e outras florestas importantes, o ecossistema da Sibéria é “crucial” para o nosso clima, afirma Beneslavskiy, do Greenpeace na Rússia. “A proteção desses ecossistemas florestais é uma questão global, uma meta global”.
Fonte: Deutsche Welle