Irmãs separadas por um grande rio há muitos anos que se reencontram com a ajuda da ciência. O que poderia ser enredo de filme traduz o resultado de um estudo da Unicamp, em Campinas (SP), que identificou uma nova espécie de perereca ao norte do Rio São Francisco. Longe das suas “irmãs” no lado sul, o pequeno anfíbio superou a barreira geográfica do “Velho Chico” e ganhou nome de Rei do Baião em homenagem à cultura nordestina.
Pithecopus gonzagai, como foi batizada, tem cores vivas, baixa estatura e diferenças acústicas e genéticas da Pithecopus nordestinus que foram essenciais na descoberta, publicada no último dia 10 na revista internacional, European Journal of Taxonomy, especializada na ciência da classificação de espécies.
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E a homenagem a Luiz Gonzaga não ficou só no nome do bicho. A história da perereca localizada em Limoeiro (PE) – pernambucana como Gonzagão – é contada em um clipe exclusivo. Um baião que ganha vida na voz do cantor, compositor e instrumentista Daniel Gonzaga, neto do Rei e filho de Gonzaguinha. Assista ao clipe abaixo:
O estudo da Unicamp foi concluído em parceria com as universidades federais do Paraná (UFPR) e de Uberlândia (UFU), após uma extensa expedição por 27 localidades do Nordeste, em média 150 km distantes umas das outras, e análises minuciosas em laboratório.
“Chegamos num nível de estudos muito profundo com a nossa fauna brasileira, principalmente a de anfíbios. Chegamos nas espécies crípticas, que são aquelas indistinguíveis morfologicamente.”, explica o doutor em biologia animal pela Unicamp e primeiro autor da pesquisa, Felipe Andrade.
Geografia e reprodução
Junto com Andrade, assinam o artigo Isabelle Aquemi Haga (UFU), Johnny Sousa Ferreira (UFPR), Shirlei Maria Recco-Pimentel (Unicamp), Luís Felipe Toledo (Unicamp) e Daniel Pacheco Bruschi, professor do departamento de genética da UFPR, que, em seu doutorado, desenhou a estratégia da expedição para buscar as variações genéticas nos animais.
As análises e as percepções começaram anos atrás, em 2012, em meio à desconfiança de que o isolamento geográfico das populações pelo “Velho Chico” pudesse ter originado uma espécie nova ao longo de muitos anos. A reunião dos estudos ocorreu em 2019, e os pesquisadores verificaram que as duas espécies-irmãs são reprodutivamente isoladas.
“Analisamos sequências de DNA mitocondrial e DNA nuclear, e conseguimos constatar essa diferenciação entre as duas espécies”, afirma Bruschi.
“Quando populações se reproduzem entre si, essas variações genéticas que surgem acabam se espalhando na espécie como um todo. Quando o fluxo gênico entre elas é interrompido, cada espécie passa a evoluir de maneira independente, acumulando variações genéticas que isolam uma das outras reprodutivamente.”, completa o pesquisador.
Com auxílio da população local nas diversas cidades que visitaram, cerca de 200 pererecas foram coletadas; todas posteriormente depositadas em coleções científicas, segundo Bruschi. “Completamos com amostras depositadas em bancos de tecidos e coleções científicas brasileiras, que foram fundamentais nessa estratégia”, afirma.
Além de Pernambuco, a gonzagai também ocorre nos estados de Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Felipe Andrade ressalta as diferenças no canto da espécie e também em dados estatísticos encontradas ao longo da pesquisa, nas análises morfométricas.
“O canto, a gente encontrou uma diferença ou outra em relação à sua espécie-irmã. Acusticamente, elas são semelhantes. Em relação à morfologia externa, os bichos são muito parecidos, mas encontramos diferenças estatísticas importantes em relação ao tamanho corpóreo da gonzagai. Ela é menor do que a sua espécie-irmã”, ressalta o taxonomista.
Futuro incerto
Com a transposição do Rio São Francisco, que tem o objetivo de direcionar água para regiões mais secas do Nordeste, Andrade alerta que a mudança geográfica poderá impactar, no futuro, na conservação da nova espécie e da espécie-irmã já conhecida. Será preciso observar o comportamento delas ao longo de anos para traçar um diagnóstico.
“No artigo, fizemos duas predições: ou a transposição pode diminuir a eficácia do rio em atuar como uma barreira geográfica, que é o que observamos hoje, ou, ainda, pode criar novas barreiras artificiais em outros lugares. Sugerimos uma pesquisa de vários anos para avaliar, com uma base de dados espaçados no tempo.”.
Fonte: G1