TODOS OS ANOS, entusiastas da previsão do tempo acompanham ansiosamente e esperam por sinais de que o vórtice polar, uma massa de ar gelado que paira sobre o Ártico, encaminhe-se para o sul, enviando temperaturas frias e neve a latitudes mais baixas.
A espera pode estar próxima do fim — e caso você não seja da área de meteorologia, talvez se surpreenda ao saber que isso se deve a um aumento vertiginoso recente nas temperaturas da região do Ártico.
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Mais especificamente, temperaturas elevadas na estratosfera sobre a Sibéria. Na primeira semana de janeiro, elas subiram de -69 graus Celsius para -13 graus Celsius. Embora acontecimentos de “aquecimento repentino da estratosfera” aconteçam em certa medida todos os anos, esse vórtice é classificado como um evento importante e menos comum.
A massa de ar extremamente quente desequilibrou o vórtice polar congelado, empurrando-o para fora de seu eixo do Polo Norte com tamanha força que o fez se dividir em duas partes, como se tivesse ganhado pernas: uma para caminhar sobre a América do Norte e a outra, sobre a Europa.
O resultado dessa ruptura poderá significar um inverno gelado no centro-oeste e nordeste dos Estados Unidos e nas regiões de latitude média da Europa. A estimativa é de que a massa fria chegue nas próximas semanas e que dure, com algumas variações, até fevereiro.
O que é um vórtice polar e como ele funciona?
Quando um “vórtice polar” aparece nas notícias, pode se referir a um dos dois padrões climáticos existentes, que são diferentes, mas relacionados.
Na camada mais baixa da atmosfera, a troposfera — onde as condições climáticas são definidas — gira um vórtice polar que circunda o globo durante todo o ano, uma corrente de jato que às vezes também é chamada de vórtice circumpolar. É grande, e muitas vezes atinge latitudes médias, a região acima dos trópicos e abaixo do Ártico — na América do Norte, isso corresponde ao centro do México e ao norte do Canadá — e se move de oeste para leste.
Na camada atmosférica que fica a cerca de 16 a 48 quilômetros acima está o vórtice polar estratosférico, onde, todos os invernos, um Ártico desprovido de luz solar faz girar uma massa de ar frio que, finalmente, dissipa-se na primavera do Hemisfério Norte. É muito menor do que o vórtice abaixo e, normalmente, gira de oeste para leste acima do Polo Norte.
Embora ambos os sistemas possam influenciar nosso clima, é uma interrupção no vórtice da estratosfera que será responsável por enviar temperaturas frias de inverno em nossa direção. Esse vórtice polar requer uma diferença de temperatura estável com o vórtice abaixo dele para mantê-lo em sua faixa acima do Polo Norte. Caso as temperaturas permaneçam próximas demais — o que um aquecimento repentino é capaz de causar — ele começa a se desviar de seu trajeto normal e se direciona ao sul, empurrando o vórtice inferior para frente.
Em 4 de janeiro, cientistas detectaram um aquecimento repentino na estratosfera sobre a Sibéria. Esses aquecimentos na estratosfera são comuns, mas grandes rupturas como essa normalmente acontecem a cada dois anos, explica Judah Cohen, diretor de previsão sazonal da Atmospheric and Environmental Research, empresa que assessora agências governamentais e o setor privado sobre riscos climáticos.
Os aquecimentos da estratosfera em si ainda não são bem compreendidos, segundo Michael Ventrice, meteorologista da The Weather Company, uma empresa de previsões do tempo. Depois que uma onda de frio aumentou a demanda por calor e causou uma escassez de gás natural no Reino Unido em 2018, ele começou a pesquisar a origem dessas alterações no Ártico para fazer previsões melhores de longo prazo no início da temporada. Ele descobriu que, normalmente, as “zonas” de ar quente afunilam-se em direção à estratosfera sobre a Sibéria ou sobre o Atlântico Norte.
O ar quente na baixa atmosfera, assim como o ar mais frio, bloqueia o fluxo direto dos ventos da corrente de jato, como carros de choque atmosféricos. Isso cria “torções” nos ventos, que são empurrados para outro nível no vórtice polar estratosférico e perturbam esse fluxo circular.
“Essas torções enviam a energia das ondas para cima na estratosfera e, quando as condições são fortes o suficiente e duram o tempo necessário, a energia proveniente das ondas pode levar a uma interrupção do vórtice polar estratosférico, que costuma ser quase circular,” alega Jennifer Francis, cientista atmosférica no Instituto Oceanográfico Woods Hole.
A interação entre a intermissão na estratosfera e o clima na troposfera ainda não foi entendida completamente. Mas quando o vórtice na estratosfera é interrompido — dividido, deslocado ou alongado — é capaz de empurrar a corrente de jato abaixo dele para o sul, levando o ar do Ártico às cidades dos Estados Unidos, Europa e Ásia. É por isso que, em 2019, Chicago apresentou temperaturas um pouco mais frias do que as do Polo Norte.
É também por essa razão que as previsões recentemente ajustadas para levar em conta a interrupção do vórtice polar mostram que o nordeste e o centro-oeste dos Estados Unidos podem esperar um clima de inverno mais extremo nas próximas semanas.
De olho no futuro
O papel das mudanças climáticas é apenas um dos diversos fatores complicados e misteriosos que tornam difícil a previsão dos efeitos do giro em espiral cerca de 19 quilômetros acima do Ártico nos invernos do Hemisfério Norte.
Nos últimos 30 anos, o Ártico aqueceu cerca de duas vezes mais rápido que o restante do mundo, fenômeno conhecido como amplificação ártica. O aquecimento levou ao derretimento das geleiras e à perda de gelo marinho na região, e pode tornar o vórtice polar estratosférico menos estável, embora essa conexão ainda não esteja clara para os cientistas.
Francis aponta que as torções na corrente de jato que desestabilizaram o vórtice polar também podem ser fortalecidas por haver menos gelo do mar Ártico.
“A perda de todo esse gelo contribuiu para que uma grande quantidade de calor extra do sol esquentasse as águas do Ártico, que agora estão sendo liberadas de volta na atmosfera, criando bolhas de ar quente nessas regiões essenciais”, esclarece ela. “Essas protuberâncias podem tornar as oscilações na corrente de jato para o norte maiores, mais fortes e mais persistentes, o que por sua vez pode interromper o vórtice polar.”
O ano de 2020 ficou empatado com 2016 como um dos mais quentes já registrados, encerrando a década mais quente até hoje. Houve também um recorde quanto à cobertura reduzida de gelo marinho sobre o Ártico. Ainda assim, são necessárias mais pesquisas para entender exatamente como o aquecimento está mudando os padrões climáticos que fluem do Ártico anualmente.
Fonte: National Geographic Brasil