Wuhan é a cidade onde a pandemia começou. Bergamo e Nova York – talvez Guayaquíl e Manaus – são as cidades que mais sofreram com o vírus.
Mas que cidade será apontada daqui a alguns anos como a que contribuiu decisivamente para a derrota da covid-19?
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Possivelmente Serrana, pequena cidade localizada 300 quilômetros ao norte da metrópole São Paulo, sede de uma das maiores usinas de açúcar e etanol do Brasil e cujo nome alguns brasileiros nunca ouviram na vida. Mas isso pode mudar em breve.
Porque o que está acontecendo lá há uma semana pode levar a pesquisa global sobre o coronavírus um grande passo adiante. Serrana começou a vacinar quase toda a cidade com a vacina chinesa Coronavac.
Mais precisamente, dois em cada três moradores, 30 mil pessoas com mais de 18 anos, devem participar do projeto de forma voluntária. Se tudo correr bem, em três meses o mundo saberá se o vírus sobreviveu após uma cidade inteira ser vacinada em grande escala.
Projeto S
Para colocar o projeto em prática, é preciso primeiro um prefeito irrequieto. Como Leonardo Capitelli, um filho da cidade que todos em Serrana chamam apenas de Léo. O político de 38 anos está no cargo há apenas algumas semanas, após, em meados de novembro, vencer as eleições para prefeito por uma estreitíssima margem de 600 votos.
O pai de dois filhos quer mostrar às pessoas que elas acertaram em cheio em sua decisão. Todos os dias ele promove incansavelmente o Projeto S junto à população – em conversas pessoais, na mídia e via vídeo em todas as plataformas sociais. Projeto S porque inicialmente era um “segredo” e agora leva o nome da cidade: Serrana.
“Como representante da população, estou muito feliz e extremamente orgulhoso de fazer parte deste projeto histórico e ao mesmo tempo garantir que todos em Serrana sejam vacinados”, diz Capitelli. “Somos assim pioneiros mundiais num projeto de pesquisa com o qual podemos servir à ciência e aumentar a expectativa de vida de toda a população do mundo.”
Quatro zonas
Capitelli abriu o mapa de Serrana em sua mesa e, junto com os pesquisadores, dividiu a cidade em quatro zonas coloridas. O setor verde foi vacinado de quarta a domingo passado, depois foi a vez do setor amarelo, depois o cinza e, no final, o azul. Quando o primeiro ciclo terminar, começa a aplicação da segunda dose na zona verde.
A vacinação em massa deve levar dois meses, e o prefeito já percebeu que os moradores de Serrana colaboram com paixão. “A população está entusiasmada e tem grande expectativa não só de poder se imunizar mas também, ao mesmo tempo, de proteger suas famílias.”
Por que logo Serrana? Por que uma cidade no Brasil? Em um país governado por um presidente que sempre encarou a luta contra o coronavírus com leviandade e comparou a covid-19 a uma “gripezinha”?
Ricardo Palácios já respondeu dezenas de vezes a essa pergunta desde que a mídia de todo o mundo se debruçou sobre o Projeto S. “Nós cientistas trabalhamos com a mesma intensidade que em qualquer outro país do mundo porque é nossa obrigação”, diz Palácios. “Mas é claro que gostaríamos de ter mais apoio do governo. A expertise científica deveria nortear o gerenciamento da pandemia pelo governo, mas infelizmente não é o caso no Brasil”, afirma o diretor de Estudos Clínicos do Instituto Butantan, que coordena a pesquisa, em parceria com o Hospital Municipal de Serrana e a administração municipal.
Quando indagado sobre a gestão do Projeto S, o cientista não precisa pensar duas vezes. “Estabelecer e liderar tal projeto é uma oportunidade única para um pesquisador.”
A razão para que Serrana fosse escolhida é simples: a cidade foi um dos focos do coronavírus no ano passado, 5% da população foi infectada com pelo vírus após um surto em uma casa de repouso.
Serrana também oferece condições ideais de pesquisa por outros motivos. “A cidade tem um tamanho ideal, as autoridades locais têm nos apoiado sem reservas, e a resposta da população tem sido positiva”, diz Palácios.
Imunidade de rebanho
Outra grande vantagem: uma competente equipe de pesquisadores no local, que também inclui Marco Borges, diretor do Hospital Estadual de Serrana. Ele está confiante de que em três meses haverá resultados que o mundo inteiro verá com grande interesse.
“O projeto vai durar um ano ao todo, mas em 12 ou 13 semanas teremos o resultado das metas principais. Então poderemos dizer como a vacina afetará a transmissão do vírus. E como ajudará a reduzir os quadros graves e a mortalidade da covid-19.”
Até lá, o que importa é: vacinar, vacinar, vacinar. Além de menores, apenas mulheres grávidas, lactantes e pessoas com febre pouco antes da vacinação não devem receber o imunizante. Borges mal pode esperar até maio. “Todas as cidades ao redor do mundo saberão então como é a imunidade de rebanho após uma vacinação em massa. O que até hoje ninguém sabe.”
Fonte: Deutsche Welle