Em um pântano próximo ao Monte Gambier, na Austrália Meridional, Sheryl Holliday se agachou na parte rasa do lago com a lente da câmera apontada para orquídeas roxas que estavam florescendo, a poucos metros de distância. No momento em que Holliday se preparava para tirar a foto, viu, em uma fração de segundos, algo minúsculo saltando para fora do enquadramento.
Ela ainda não sabia, mas naquele dia claro de novembro, tinha acabado de descobrir uma nova espécie de aranha-pavão, um grupo de aranhas-saltadoras australianas conhecidas por suas cores vibrantes e suas elaboradas danças de acasalamento.
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“Eu pesquiso as aranhas-pavão há três ou quatro anos, mas essa parecia diferente” afirmou Holliday, oficial do setor ecológico da Nature Glenelg Trust e cientista cidadã. O abdômen do animal era acinzentado e ele tinha padrões faciais peculiares em laranja e branco.
Curiosa, Sheryl compartilhou suas fotos com uma página de apreciadores da aranha-pavão no Facebook, que chamou a atenção do administrador da página e aracnólogo, Joseph Schubert, que nunca tinha visto uma aranha como aquela antes.
Sheryl e Joseph se conectaram através do Facebook e a cientista cidadã coletou e enviou espécimes vivos da aranha para Melbourne, para que o aracnólogo e seus colegas identificassem formalmente o aracnídeo como Maratus nemo, por causa do Nemo, o conhecido peixe-palhaço da Disney. (The Walt Disney Company é proprietária majoritária da National Geographic Partners.)
A aranha-pavão Nemo descrita recentemente na revista científica Evolutionary Systematics, é a mais nova entre diversas outras descobertas de aranhas-pavão, que em 2011 eram apenas 15 e hoje já são 92 espécies conhecidas.
Schubert, biólogo da organização Museums Victoria, acredita que o aumento significativo de descobertas esteja acontecendo devido à facilidade de se tirar fotografias nos dias de hoje, pois qualquer pessoa pode tirar uma foto instantaneamente em seu smartphone e enviar suas descobertas para as redes sociais.
Claro, ser popular também ajuda. A encantadora dança de acasalamento desses aracnídeos, que têm o tamanho de grãos de arroz, viralizou por meio de memes, fazendo com que a aranha-pavão se tornasse uma sensação da internet.
Remexe e sacode
Isso não significa que sejam fáceis de encontrar. Na maior parte do ano, as aranhas-pavão são marrons; somente os machos ganham suas cores marcantes após realizarem a muda na primavera. Tudo isso somado ao seu tamanho microscópico torna desafiador estudar esses aracnídeos não peçonhentos.
É por isso que, ao identificar uma nova espécie, Schubert se concentra nas colorações do macho, bem como em sua dança de acasalamento, que é única para cada espécie e ocorre com o macho flexionando o corpo e girando para exibir sua aptidão. Quando Schubert estimulou uma Nemo macho a dançar para uma fêmea no laboratório, ele ficou surpreso com o que observou.
O aracnídeo, como lembra Schubert, “não levantou seu abdômen completamente, como fariam as outras espécies, e também não apresentou as bordas do opistossoma (que dão à aranha sua famosa aparência colorida) abaixo do abdômen, apenas ficou com o traseiro na cor marrom”, explica Schubert.
Em vez disso, o macho impressionou a fêmea levantando seu terceiro par de pernas e vibrando seu abdômen no chão, o que produziu um som audível. O aracnólogo afirma que ainda “não se sabe se essa dança é uma marca registrada da aranha-pavão Nemo”.
Schubert observou que o lar das aranhas-pavão Nemo também é “bem peculiar”, já que a maioria das outras aranhas-pavão conhecidas prefere morar em arbustos secos.
Mas as aranhas-pavão sempre o surpreendem. Em 2020, os cientistas encontraram uma espécie, Maratus volpei, vivendo em um lago salgado. “Aprendemos que devemos estar mais abertos a novos tipos de habitat onde podem estar as aranhas-pavão”, diz Schubert.
“Embora as aranhas-pavão desempenhem uma função muito importante como predador no controle de populações de insetos, ainda se sabe muito pouco sobre seu papel no ecossistema e no status de conservação”, acrescenta Schubert.
Uma teia emaranhada
“As aranhas-pavão são excelentes porque desafiam o senso comum de que as aranhas são grandes, peludas e perigosas”, diz Michael Rix, curador principal de aracnologia e pesquisador do Queensland Museum da Austrália, que não esteve envolvido no estudo de Schubert.
“Este é um excelente exemplo de como a fauna de aranhas australianas é interessante, diversa e ainda pouco estudada”, diz Rix.
Apenas cerca de 30% dos invertebrados da Austrália foram catalogados e pode haver até 15 mil espécies de aranhas a serem identificadas.
Descobrir novas espécies de aranhas também pode beneficiar a humanidade, tanto no controle de pragas agrícolas como no desenvolvimento de novos tratamentos médicos, afirma Rix. Proteínas tiradas do veneno da aranha-teia-de-funil já estão sendo utilizadas para desenvolver medicamentos analgésicos, bem como tratamentos para epilepsia, derrame e, possivelmente, para alguns tipos de câncer.
“Ao mesmo tempo, populações de aracnídeos e insetos estão reduzindo em todo o mundo. Na Austrália, a perda de habitat, incêndios florestais e pesticidas podem exterminar espécies inteiras de aranhas antes de termos a chance de descobri-las”, adverte Rix.
E então conclui que “não podemos conservar nossa biodiversidade para as gerações futuras se nem mesmo soubermos que ela existe”.
Fonte: National Geographic Brasil