A chegada do inverno no Brasil nesta segunda-feira (21/06), a época mais seca do ano, pode também trazer dias mais quentes que o habitual para a estação. A combinação deve agravar a já critica situação hídrica no país, que vê o volume dos reservatórios afundarem a níveis prévios à crise de 2015.
“Se a situação está grave neste momento é porque o verão, que é chuvoso, não foi chuvoso”, afirma José Marengo, climatologista e coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
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Há 91 anos não se via tão pouca água, diz o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). Os danos não se restringem à geração de eletricidade nas usinas hidrelétricas, que contam atualmente com um volume médio útil de 54%, calculado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).
Na agricultura, o aumento em 7% da área plantada do milho, segundo tipo de grão mais cultivado no país, não foi suficiente para aliviar o peso da seca. A safra deve cair 6% em relação à anterior, com produção estimada em 96,4 milhões, prevê a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em seu último boletim.
Enquanto a pouca chuva preocupa no Sudeste, no Norte a população sofre com a maior cheia do rio Negro em 119 anos. Os dois eventos são considerados extremos climáticos – um cenário que não surpreende cientistas que estudam o tema.
“O que estamos experimentando agora – muita chuva na Amazônia, verões com chuvas abaixo da média no Sudeste – são exemplos de extremos climáticos, que, de certa forma, são consequências de uma variabilidade muito irregular do clima. Uma consequência do aquecimento global“, afirma Marengo.
Desde a Revolução Industrial, a temperatura média do planeta subiu 1 ºC devido, principalmente, à queima de combustíveis fósseis e à derrubada de florestas tropicais, como a Amazônia. A ciência indica que a crise hídrica atual é uma amostra do que poderá ser mais comum no futuro.
Efeito no bolso: energia mais cara e risco de racionamento
Com forte dependência da água para gerar eletricidade, o Brasil pode sofrer mais solavancos em sua economia com a irregularidade das chuvas já no presente.
Juntas, as 162 estruturas que produzem energia hidrelétrica e que estão interligadas pelo ONS têm atualmente o volume útil preocupante de 54%, com situação mais crítica na bacia do rio Paraná. Essa região, que abrange os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná, está em alerta com alguns reservatórios quase vazios.
A usina de Itumbiara, por exemplo, a maior do sistema Furnas, entre as cidades de Itumbiara (GO) e Araporã (MG), tem apenas 9% do seu volume disponível. O mesmo é observado na usina de Marimbondo, a segunda maior do Furnas, e Água Vermelha, no interior paulista.
Sob pressão, Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS, tentou afastar o risco de racionamento em recente audiência pública na Câmara dos Deputados. Medidas estariam sendo adotadas para que não haja interrupções no abastecimento na estação seca, afirmou Ciocchi.
“O governo está colocando todas as usinas pra operar. Está adiando paradas para manutenção, maximizando a oferta de energia. Isso inclui a redução da vazão dos rios para que haja energia elétrica suficiente”, avalia Nivalde de Castro, professor e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembrando que a política de segurar água nos reservatórios afeta outros setores, como o transporte fluvial, pesca, abastecimento e qualidade de água para comunidades ribeirinhas.
Vinte anos depois da crise do apagão, quando a falta de chuvas e o baixo nível dos reservatórios provocaram blecautes no país, Castro espera que o drama não se repita. “O único elemento em comum com aquela época é que, ao longo do ano, o governo pode ter que adotar medida de restrição de consumo no horário de pico”, pondera.
Em 2001, quando começaram as interrupções no abastecimento, a energia hidrelétrica era responsável por 95% da matriz brasileira. Atualmente, ela corresponde a 63,5%. Energia eólica vem em segundo lugar, com 11%; seguida pela gerada em usinas a gás, com 8,8%; biomassa (8,3%); óleo e diesel (2,5%); solar (2,5%); carvão (1,8%) e nuclear (1,2%).
Para o consumidor, a irregularidade do clima traz uma conta mais cara. Em maio, o regime de tarifa foi para o patamar mais alto, a chamada bandeira vermelha, o que representou uma alta de 5,37% na energia elétrica.
O que vem pela frente
A crise hídrica atual e seus impactos confirmam os prognósticos do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), que deve finalizar em breve seu sexto relatório, com a participação de mais de 3 mil cientistas.
“Com as mudanças climáticas, esses eventos extremos, como o que estamos vivenciando agora, vão se tornar mais frequentes e com intensidades maiores”, comenta Samuel Barreto, gerente de água da ONG The Nature Conservancy, fazendo referência ao trabalho do IPCC.
Outro exemplo vem do Pantanal, que teve mais de 30% de sua área afetada pelas queimadas no ano passado. Na região, o último verão, assim como os dois anteriores, foram mais secos que a média, aponta Marengo. “Será que os serviços de combate ao fogo estão preparados para enfrentar mais uma temporada com grande probabilidade de incêndios?”, questiona.
A perda da vegetação nativa, ressalta Barreto, piora a situação. “Nesse contexto, as florestas cumprem um serviço importante. Elas ajudam a reter a água da chuva que infiltra no solo e nos lençóis freáticos. Isso atenua os picos de enchente e de seca”, pontua.
Apesar das evidências que vêm da ciência do clima, a política ambiental brasileira insiste no retrocesso. “Em vez de proteger o meio ambiente, o governo favorece o desmatamento e queimadas pensando apenas no avanço da fronteira agrícola, do agrobusiness, um dos pilares de sustentação de Bolsonaro”, critica Castro.
Fonte: Deutsche Welle