A visão distorcida de Mourão como defensor da Amazônia

Em conversa com jornalistas estrangeiros, vice-presidente culpa "visão de esquerda" internacional por má fama de política ambiental do governo Bolsonaro.

Em coletiva à imprensa internacional, vice-presidente Hamilton Mourão fez diversas afirmativas que não coincidem com os fatos conhecidos

A poucos dias da 26ª Conferência do Clima (COP26), a primeira a ser realizada após o início da pandemia e que reunirá líderes globais em Glasgow, na Escócia, o governo brasileiro tenta convencer a imprensa internacional de que o país está comprometido com uma agenda ambiental.

Embora os dados de monitoramento da Floresta Amazônica medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) mostrem que os dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro foram marcados por taxas recordes de desmatamento dos últimos 12 anos, o vice-presidente Hamilton Mourão afirma o contrário.

“Nós tivemos uma redução pequena do desmatamento ao longo dos últimos dois anos. O pior foi em 2019. De lá para cá, tivemos uma redução que, dentro dos meus objetivos poderia ser melhor”, declarou Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal, numa coletiva de imprensa com correspondentes internacionais nesta segunda-feira (25/10).

Em 2019, a Amazônia sofreu 10,1 mil km2 de devastação; em 2020 foram 10,9 mil km2. E a estratégia de combate adotada, com empenho das Forças Armadas, não tem inibido a ilegalidade. A falta de expertise dos militares, os custos elevados das operações de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) executadas por esses agentes e o quadro insuficiente de servidores qualificados nos órgãos ambientais são apontados como causas para o insucesso. A conclusão é de uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), como foi debatida recentemente numa sessão da Comissão de Meio Ambiente do Senado.

Ainda assim, Mourão alega que a fama internacional de antiambiental e negacionista que a atual gestão adquiriu “não condiz com a realidade”. Ele diz creditar a oposição política ao governo Bolsonaro a “uma visão majoritária de esquerda em muitos países”. 

Outros motivos seriam uma contestação à “pujança” do agronegócio brasileiro e a pressão dos “bolsões sinceros porém radicais” formados por ambientalistas, movimentos sociais e indígenas, que levariam uma mensagem errada para fora das fronteiras.

Em jurisdição internacional, Bolsonaro foi acusado de crimes ambientais graves nos últimos anos relacionados. Existem pelo menos três denúncias contra o mandante brasileiro no Tribunal Penal Internacional em Haia, Holanda, por sua política de destruição da floresta. Numa delas, a Articulação dos Indígenas do Brasil (Apib) alega que o presidente cometeu crimes contra a humanidade e genocídio ao incentivar invasão de terras indígenas por garimpeiros e propagar a covid-19.

Yanomamis e garimpo

Na coletiva online, que apresentou alguns problemas técnicos, levando os jornalistas estrangeiros a reclamarem da qualidade do áudio durante as respostas de Mourão, o desrespeito aos direitos indígenas também foi um tema recorrente.

Questionado sobre o aumento das invasões desses territórios por garimpeiros, o vice-presidente disse se tratar de uma “questão antiga” e que os números divulgados pelas lideranças seriam exagerados.

Segundo o monitoramento feito pela Hutukara Associação Yanomami, atualmente pelo menos 20 mil garimpeiros estariam em busca de ouro no território, que sofre uma nova onda de invasões desde 2019. Outros indicativos do aumento da atividade ilegal estariam na abertura de estradas e no desmatamento no local, que os indígenas acompanham por imagens de satélites.

“São números inflados”, tentou minimizar Mourão. “Nossa avaliação é menor, de 3 mil a 4 mil garimpeiros”, completou sobre a situação na TI Yanomami que, onde, há poucos dias, duas crianças morreram depois de serem dragadas por uma balsa de garimpo ilegal.

Como parte da resolução do conflito, o vice-presidente considera a liberação da exploração de minérios nos territórios indígenas, citando como bom exemplo a ser seguido na região as atividades da Vale, em Carajás, no Pará. A mesma empresa está envolvida em dois grandes desastres ambientais e mortes ocorridos após o colapso de barragens de rejeitos, em Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, ambas em Minas Gerais.

Um relatório recente que investigou barragens em operação na Amazônia expôs o perigo que essas estruturas representam para comunidades próximas. O estudo, feito pela ONG Christian Aid, se concentrou em 26 barragens da Mineração Rio Norte (MRN), que detém  a maior rede dessas construções na floresta. A conclusão é que comunidades ribeirinhas e quilombolas que vivem no entorno seriam drasticamente afetadas em caso de falhas.

Após o rompimento das barragens da Samarco e Vale, a MRN revisou o nível de risco de suas estruturas e, até o início de 2021, 11 delas foram reclassificadas de baixo para médio e alto riscos – sendo sete de alto risco, aponta o relatório.

“A falta de transparência com que o processo de reclassificação foi realizado aumentou muito a ansiedade e o medo das comunidades de um possível rompimento das barragens, que poderia ser fatal para suas famílias e danificar irreversivelmente o meio ambiente, habitat e meios de subsistência”, diz o texto, alertando para os perigos de novos empreendimentos de mineração na Amazônia.

Apesar de alegações de Brasília, imagens da Amazônia em chamas correram mundo, comprometendo a reputação do país

Visão de futuro

Para a imprensa internacional, Mourão comemorou a queda das queimadas na Amazônia. Depois da alta registrada em 2020, os focos de calor registrados pelo Inpe tiveram uma queda de 40% neste ano. 

Em sua visão sobre desenvolvimento sustentável da Amazônia, o vice-presidente inclui o asfaltamento da BR 319, que liga Porto Velho a Manaus. No caminho da rodovia, há diversas áreas protegidas e terras indígenas como a dos povos Mura, Mundukuru, Apurinã, Paumari e Parintintin. 

“A estrada permitiria a melhora da logística e permite que as forças de segurança atinjam com rapidez áreas que estejam sendo atingidas pela ilegalidade”, alegou, como justificativa para a obra.

Entre pesquisadores há um consenso baseado no acúmulo de evidências: estradas são propulsoras do desmatamento. Segundo estudos feitos pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), a BR-319 dá aos criminosos acesso a vastas áreas intocadas. “Até agora, o desmatamento da Amazônia brasileira esteve quase inteiramente confinado à faixa nas bordas sul e leste da floresta, conhecida como o ‘arco do desmatamento’. O imenso bloco de floresta na parte ocidental do estado do Amazonas tem sido poupado devido à falta de acesso”, comenta o Idesam, e alerta para o provável boom.

Em setembro último, uma série de sobrevoos feitos pela Aliança Amazônia em Chamas, parceria entre as organizações Amazon Watch, Greenpeace Brasil e Observatório do Clima, mostrou que essa região já está se tornando a nova fronteira do desmatamento. Segundo participantes da expedição, a floresta tem sido consumida nessa região pelo fogo, substituída por pistas de pouso clandestinas e por grandes áreas para o cultivo de grãos, como soja.

Fonte: Deutsche Welle