Quando visitava as Ilhas Maurício durante férias em família na minha adolescência, eu lembro da areia das praias repleta de conchas. Mas ao retornar ao arquipélago no oceano Índico para escrever reportagens sobre os efeitos das mudanças climáticas, as faixas de areia fofa parecem desoladas.
A coleção de centenas de conchas diferentes que meu pai acumulou naquela época seria uma façanha impossível agora.
Isso não é surpreendente para o ativista de mudanças climáticas Anesh Mungur, de 14 anos. Ele diz quase não visto uma concha em toda a sua vida.
“Eu acho muito triste que as conchas estejam desaparecendo. Eu sinto que a ilha está realmente sofrendo com as consequências das mudanças climáticas, é preciso fazermos mais para protegê-la antes que seja tarde demais.”
As conchas sempre desempenharam um papel importante na cultura das Ilhas Maurício (ou Maurícias): o Monetaria annulus, comumente conhecido como búzio de anel de ouro, costumava ser dado como um presente de amor ou um amuleto da sorte.
A Monetaria moneta também costumava ser muito comum na região. Ela é conhecida como búzio do dinheiro porque há milhares de anos era usada como moeda em algumas partes da África.
Águas mais quentes
O oceanógrafo Vassen Kauppaymuthoo diz que o número de conchas na ilha diminuiu 60% nas últimas três décadas.
Ele atribui a responsabilidade por essas mudanças ao aquecimento dos oceanos, a atividades econômicas, como pesca predatória e turismo, e à poluição gerada por águas residuais e por embarcações.
Maurício é um dos países mais vulneráveis do mundo no que diz respeito às mudanças climáticas. Ele tem sofrido cada vez mais com a elevação do nível do mar, secas e ciclones.
O aumento da temperatura da água do mar afetou grande parte do ecossistema, incluindo as conchas marinhas em que vivem os moluscos, enquanto um aumento de dióxido de carbono na atmosfera “causa a acidificação do oceano, fazendo com que as conchas fiquem mais finas”, explica Kauppaymuthoo.
“Isso faz com que os moluscos tenham problemas para produzir suas conchas.”
Tudo isso tem um efeito em cascata, e consequências devastadoras para os recifes de coral e o ecossistema ao redor das ilhas.
“Quando você não tem moluscos, você não tem predadores. Então há outros organismos que começam a proliferar, causando um desequilíbrio do ecossistema na ilha tropical e ao redor do mundo”.
Pequenos peixes e polvos também usam as conchas para abrigo e proteção, e muitos pássaros também usam partes de conchas para construir seus ninhos.
Anesh, que faz parte do movimento Fridays For Future Mauritius, diz que mais também precisa ser feito para impedir desastres ambientais, como um enorme vazamento de óleo que atingiu a ilha em 2020.
Cerca de 1.000 toneladas de óleo combustível do MV Wakashio, de bandeira japonesa, vazaram no oceano depois que ele encalhou em um recife de coral, causando o pior desastre ecológico em Maurício.
“Nosso ambiente marinho foi muito afetado, incluindo corais, moluscos e outros organismos. As ilhas ainda estão sofrendo com o que aconteceu.”
O episódio danificou cerca de 300 m de recife de coral, matou muitos peixes e afetou tanto o meio ambiente quanto a subsistência dos pescadores.
Para o ativista adolescente, trata-se de criar consciência em todo o mundo. “Não acho que muitas pessoas conheçam a importância das conchas do mar e o quanto elas estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas.”
Repressão aos colecionadores
Kauppaymuthoo também responsabiliza os coletores de conchas (conhecidos também como garimpeiros) pelo declínio na quantidade de conchas nas praias das ilhas Maurício, já que muitas vezes elas são colhidas com os animais vivos ainda dentro delas.
O governo local está tentando impedir as pessoas de coletar conchas e vendê-las a turistas. Duas leis em torno do tema foram aprovadas nos últimos 15 anos.
Segundo as regras atuais, apenas 10 conchas podem ser legalmente recolhidas como lembrança por visitantes e somente em praias onde podem ser vistas marcas de maré baixa e alta.
Mas embora a coleta de conchas tenha sido limitada (agora também é ilegal exportá-las), é difícil impedir as pessoas de colocar esses lindos souvenirs em suas bolsas.
“Não os tire das praias”, pede Kauppaymuthoo, acrescentando que as conchas também evitam a erosão costeira.
Quanto mais conchas houver, mais barreira haverá para os ventos, as ondas e as correntes de água moverem os sedimentos da costa.
Qual é então seu conselho para quem quer se lembrar de suas férias tropicais? “Observe as conchas e tire fotos delas. Assim você pode ter boas lembranças e também saber que as está salvando.”
Fonte: BBC