A águia-marinha-de-steller (Haliaeetus pelagicus) é um pássaro enorme: a envergadura pode passar de dois metros, e o peso, dos 9 kg.
É uma ave rara, vulnerável – com população estimada pela International Union for Conservation of Nature em 4 mil indivíduos -, que vive no norte da Ásia, na região entre a Sibéria, na Rússia, o Japão e a China.
Uma delas, contudo, está há um ano e meio longe de casa. Bem longe, a cerca de 8 mil quilômetros de distância.
Avistada pela primeira vez em agosto de 2020 no Estado americano do Alasca, a águia já foi vista no Texas, no sul do país, depois em Nova Scotia, no Canadá e, mais recentemente, em Massachusetts e no Maine, no nordeste dos EUA. Com uma mancha branca na asa esquerda que a torna fácil de reconhecer, virou uma espécie de celebridade local.
Desde o fim de dezembro, quando passou a aparecer com mais frequência, pesquisadores e observadores de pássaros têm pegado estrada e dirigido horas a fio na esperança de vê-la por suas lunetas e binóculos.
Grupos na internet, alguns com mais de mil participantes, enviam alertas diários sobre o paradeiro da águia. A essa altura, ela já virou personagem de quadrinho e estampa de camiseta.
“Ninguém achava que ia ver um pássaro desses nos EUA. Tem gente dirigindo noite adentro pra vir até aqui. Esse é provavelmente o evento da década no mundo da observação de aves”, diz Nicholas Lund, que trabalha na organização conservacionista Maine Audubon e é, ele também, um ávido observador de pássaros, com mais de 1,5 mil espécies diferentes no “currículo”.
No último dia 20 de dezembro, ele estava com outros colegas em meio a uma “contagem natalina de pássaros” (uma espécie de censo realizado por voluntários) quando soube que a águia-marinha-de-steller estava no Estado vizinho, em Massachusetts, a duas horas de onde estavam.
Há mais de um ano Lund acompanhava fascinado a saga da águia, que de tempos em tempos desaparecia e reaparecia em algum ponto do mapa da América do Norte. Não fossem as restrições da pandemia, meses atrás ele já teria ido bater no Canadá, quando a ave fora avistada em New Brunswick e em Nova Scotia. Ao saber que ela tinha finalmente cruzado a fronteira, ele e os amigos não tiveram dúvida:
“A gente largou o que estava fazendo e pegou a estrada.”
Horas depois, na região do parque estadual de Dighton Rock, eles se viram em meio a uma multidão de cerca de 200 pessoas.
“Aquela região de Massachusetts [e arredores] é bastante povoada, então observadores de pássaros vindos de toda a região de New England [área compreende 6 Estados no nordeste dos EUA], de Nova York, de Boston…todo esse pessoal convergiu para esse parque. Parecia um festival de música. Não tinha lugar pra estacionar, as pessoas dançavam, estavam animadas, foi um evento mesmo.”
Desde então, Lund acredita que milhares de pessoas já tenham conseguido avistar a águia-marinha-de-steller “perdida” na América do Norte.
Uma delas foi Gregory LeClair, estudante de ecologia na Universidade do Maine, que depois de duas tentativas frustradas finalmente conseguiu ver o animal no último dia 12 de janeiro. Àquela altura, a ave já tinha “subido” para o Estado do Maine, para a região de Boothbay Harbor – onde vem sendo vista, aliás, até os últimos dias.
“Quando a gente estava estacionando já consegui ver as pessoas com os telescópios. Me aproximei, perguntei o que eles estavam vendo e me apontaram: ‘A águia está bem ali, do outro lado do porto, atrás daquelas árvores’. Dessa vez foi tão fácil, chegamos e ela estava lá, dando um show pra todo mundo.”
Ele dirigiu cerca de uma hora e meia levando a filha, que tem dois anos e, apesar da pouca idade, já acompanhou os pais em diversas viagens para explorar a natureza, de passeios de caiaque a excursões para observação de pássaros.
“Sendo biólogo, alguém que valoriza a natureza… eu gosto de compartilhar isso com minha filha”, diz LeClair, que pesquisa répteis e anfíbios e trabalha com tartarugas ameaçadas.
“A gente foi tentando deixar nossa filha empolgada no caminho, ficávamos repetindo: ‘Estamos indo ver a águia!’. E ela repetia: ‘Águia! Águia!”
Uma semana depois, a pequena ainda reconhece a imagem da ave quando ela aparece na tela do computador e do celular. “Agora ela aprendeu a falar o nome inteiro – águia-marinha-de-steller (steller’s sea eagle em inglês)”, completa.
Por que ela voou pra tão longe?
Não é incomum que pássaros “se percam” e saiam das rotas de voo habitual, como explica Brian Olsen, professor de ornitologia da Escola de Biologia e Ecologia da Universidade do Maine.
O fenômeno tem nome técnico, inclusive – são as aves “vagantes”. E pode acontecer por diferentes razões: desde eventos climáticos extremos, como furacões ou ventos fortes, que “jogam” as aves em outras rotas e as desorientam, até disfunções no sistema de navegação dos pássaros – em outras palavras, é como se alguns nascessem com a bússola interna avariada e, em vez de voar para as regiões para as quais sua espécie costuma migrar, vão na direção oposta.
Algumas aves, especialmente as mais jovens, também podem se distanciar acidentalmente do bando e ir parar em um lugar distante. E já aconteceu de, nesses erros de cálculo, elas descobrirem novas possibilidades de habitat para suas respectivas espécies e darem início a um processo de colonização de uma área nova.
“Tornar-se vagante é em geral uma combinação entre o comportamento do próprio animal e fatores externos aleatórios. Então provavelmente nunca saberemos exatamente que combinação foi essa que trouxe a águia até aqui”, ressalta Olsen.
“Mas uma vez fora da sua área de costume, a ave percebe. Os pássaros vagantes costumam se deslocar mais porque sabem que não se encontram exatamente onde estavam tentando chegar.”
Ainda que a ocorrência de pássaros raros na região seja algo que aconteça provavelmente a cada três ou cinco anos, prossegue o biólogo, o caso da águia-marinha-de-steller é especial.
“Esse caso é particularmente raro porque não é um pássaro com uma longa rota de migração – quanto mais as aves se movimentam, maior a probabilidade de elas irem parar em outro lugar. Também é grande, é um pássaro que impressiona pelo tamanho.”
Olsen lembra que, alguns anos atrás, em 2018, uma outra ave também mobilizou a comunidade de observadores de pássaros no Maine.
Um gavião-preto, endêmico da América Central e do Sul, foi parar ali e, depois de meses vivendo no Estado, foi resgatado após se machucar em uma tempestade de neve – uma ave tropical que se viu no meio do inverno do hemisfério norte.
Muitas aves vagantes, aliás, acabam morrendo prematuramente porque estão sujeitas a uma série de ameaças – o clima da região em que se estabeleceram pode ser muito diferente daquele ao qual estão habituadas, por exemplo, ou elas podem ter dificuldade para encontrar alimento.
No caso da águia-marinha-de-steller, contudo, as chances têm jogado a favor. O clima da região em que está agora é relativamente semelhante ao de seu habitat natural. Ela já foi vista se alimentando de peixe diversas vezes, o que indica que está conseguindo encontrar alimento, e tem sido observada na companhia de águias-de-cabeça-branca, a espécie de águia mais recorrente na região.
“Nós sabemos que ela está comendo, sobreviveu esse tempo todo, quase um ano e meio, parece saudável… Ninguém sabe do futuro, mas ela pode ficar por aqui – nós estamos todos secretamente torcendo pra isso”, diz Nicholas Lund, que também é dono do perfil TheBirdist no Twitter.
Ele lembra que há registro de acasalamento entre águias-marinhas-de-steller e águias-de-cabeça-branca no Alasca, do outro lado do país, onde a ave de rapina asiática já foi encontrada quase duas décadas atrás. “Ela poderia encontrar um parceiro e ficar por aqui, estamos todos torcendo por isso – seria maluco.”
Lund criou um mapa interativo com todas as aparições da águia “perdida”. Para quem está considerando pegar estrada (ou avião) para tentar vê-la, ele recomenda o site da Maine Audubon, a organização conservacionista em que atua, que tem divulgado relatórios diários e alertas sobre o paradeiro do pássaro.
Fonte: BBC