As mudanças climáticas globais estão acelerando e as emissões causadas pelo homem de gases de efeito estufa são a causa esmagadora, de acordo com um relatório histórico divulgado na segunda-feira pelas Nações Unidas. Ainda há tempo para evitar um aquecimento catastrófico neste século, mas apenas se países ao redor do mundo pararem de queimar combustíveis fósseis o mais rápido possível, alertam os autores.
A mensagem aos líderes mundiais é mais terrível e inequívoca do que nunca.
“É indiscutível que as atividades humanas estão causando mudanças climáticas”, diz Ko Barrett, vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) das Nações Unidas e conselheiro sênior para o clima na Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA. “Cada uma das últimas quatro décadas tem sido a mais quente já registrada desde os tempos pré-industriais.”
Os autores — cerca de 200 cientistas climáticos de elite — esperam que as conclusões do relatório estejam em destaque quando os líderes mundiais se reunirem para uma grande conferência climática em novembro.
Os efeitos desse aquecimento são óbvios e mortais em todo o mundo. Ondas de calor, secas e inundações estão matando pessoas e perturbando vidas ao redor do mundo neste verão. Incêndios florestais estão queimando com frequência e intensidade sem precedentes, inclusive em lugares que raramente queimam. Smog e fumaça estão sufocando as pessoas em cidades da Ásia ao Ártico. Ondas de calor oceânicas estão ameaçando ecossistemas inteiros e tornando furacões e tufões ainda mais poderosos.
A ciência é clara: as emissões causadas pelo homem de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa são a principal causa de tais mudanças.
Atividades humanas estão causando clima extremo
Um dos maiores avanços recentes na pesquisa climática está no campo da chamada ciência da atribuição, que vincula o aquecimento global a eventos climáticos individuais, como furacões ou ondas de calor. Os cientistas agora podem dizer com certeza que os humanos estão causando climas mais extremos, incluindo fortes chuvas e ondas de calor prolongadas e secas.
“Esse chicote — esse aumento tanto em eventos extremamente úmidos ou secos – deve aumentar ao longo do século 21”, diz Kim Cobb, um dos autores do relatório e cientista de paleoclima do Instituto de Tecnologia da Geórgia.
Esta é a primeira vez que pesquisadores de paleoclima que estudam o clima do passado para entender como a Terra mudará no futuro, ajudaram a escrever cada capítulo do relatório. Seu trabalho ajuda a colocar o clima de hoje em perspectiva. “Agora podemos dizer que as temperaturas globais da superfície estão atingindo níveis não vistos em cem mil anos”, diz Cobb. “A taxa de aquecimento desde 1970 é maior do que qualquer período de 50 anos nos últimos dois mil anos.”
O relatório também confirma que o aumento global do nível do mar está acelerando. Globalmente, o nível do mar subiu cerca de 20 cm em média entre 1901 e 2018, embora a água tenha subia muito mais em certos locais.
O aumento do nível do mar é impulsionado principalmente pelo derretimento das geleiras e pelo gelo ártico. Há uma defasagem entre as emissões e o derretimento do gelo, o que significa que mesmo que os humanos parem todas as emissões de gases de efeito estufa hoje, o nível do mar continuaria a subir por algumas décadas, observa o relatório.
“A mudança do nível do mar até meados deste século foi em grande parte travada”, diz Bob Kopp, um dos autores do relatório e diretor do Instituto de Ciências da Terra, Oceano e Atmosférico da Universidade Rutgers. Isso significa que não importa o que aconteça, as pessoas que vivem em áreas costeiras precisarão se adaptar a mares mais elevados.
Cientistas dizem que não é tarde demais
Apesar das descrições desastrosas de nossa Terra mais quente, o novo relatório também deixa claro que não é tarde demais para conter o aquecimento global. Quanto mais humanos reduzirem as emissões nesta década, mais habitável a Terra será no restante deste século e por muitos séculos.
Uma das grandes questões colocadas pelos líderes mundiais é se ainda é possível cumprir as metas estabelecidas pelo acordo climático de Paris de 2015. Esse acordo busca limitar o aquecimento global muito abaixo de 2 graus Celsius, e idealmente mantê-lo abaixo de 1,5 graus Celsius. A Terra já está cerca de 1 grau Celsius mais quente do que era no final de 1800.
A maior parte das grandes economias mundiais não está no caminho certo para cumprir essas metas de temperatura porque continuam a depender demasiadamente de combustíveis fósseis para eletricidade, transporte e indústria — incluindo combustíveis poluentes, como o carvão.
O novo relatório considera que ainda é possível cumprir as metas estabelecidas no acordo de Paris, mas fica mais difícil a cada dia que passa. Os autores utilizaram cinco cenários teóricos para prever o aquecimento global futuro. Os cenários incluem diferentes níveis de emissões de gases de efeito estufa, bem como crescimento econômico e populacional e colaboração política. Em todos os cinco cenários, a Terra atinge 1,5 graus Celsius nas próximas duas décadas.
“Ainda é possível limitar o aquecimento global a 1,5 graus [Celsius]? A resposta é sim”, diz Maisa Rojas Corradi, autora do relatório e cientista climática da Universidade do Chile. “Mas, a menos que haja reduções imediatas, rápidas e em larga escala de todos os gases de efeito estufa, limitar o aquecimento global a 1,5 graus estará fora do alcance.”
Os autores descobriram que se países ao redor do mundo reduzirem as emissões de forma dramática e permanente imediatamente, a Terra começará a ficar mais fria em meados deste século. Por outro lado, se os países se moverem mais lentamente para conter as emissões ou não realizarem a transição para fontes mais limpas de energia, a Terra poderá aquecer 4 graus Celsius ou mais até o fim do século.
“Acho que uma mensagem-chave aqui é que ainda é possível evitar todos os impactos mais terríveis, mas realmente requer mudanças transformadoras sem precedentes”, diz Barrett, vice-presidente do IPCC. “Mas a ideia de que ainda há um caminho a seguir eu acho que é um ponto que deve nos dar alguma esperança.”
Mudanças climáticas são globais, as soluções são locais
Esta é a sexta edição do relatório de ciência climática do IPCC, e é a primeira vez que os cientistas especificam suas descobertas e previsões por região. Isso é importante porque muitos países dependem desses relatórios para entender como será o futuro para seus cidadãos e quais políticas fazem mais sentido.
Por exemplo, o ritmo de elevação do nível do mar varia drasticamente dependendo de onde você mora. Os governos precisam de informações regionais para decidir onde construir novas infraestruturas e como proteger as cidades costeiras existentes. O mesmo se aplica à seca e às inundações causadas pelas tempestades, que interrompem a agricultura e o abastecimento de água potável. Grandes cidades, incluindo Cidade do Cabo, África do Sule Chennai, Índia, têm lutado para manter os reservatórios nos últimos anos.
“É muito importante que este relatório dê informações regionais que nos ajudem a tomar decisões a nível regional”, diz Paola Arias, uma das autoras do relatório e cientista climática da Universidade de Antioquia, na Colômbia. [NPR]
Fonte: Hypescience