Desastres climáticos agravados pela crise ambiental têm aumentado a violência sofrida por mulheres, meninas e minorias sexuais e de gênero, segundo um estudo divulgado na revista The Lancet Planetary Health nesta segunda-feira (13).
Uma equipe de pesquisadoras da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, analisou a literatura científica atual e descobriu que, à medida que eventos extremos geram instabilidade econômica, insegurança alimentar e estresse mental, a desigualdade de gênero cresce em decorrência desses acontecimentos.
Estudos mostraram que enchentes, secas e tempestades afetaram cerca de 4 bilhões de pessoas, tirando mais de 300 mil vidas entre os anos de 2000 e 2019. Essas tragédias acabam aumentando a violência baseada em gênero devido a instabilidade socioeconômica, desigualdades estruturais de poder, inacessibilidade de serviços de saúde, escassez de recursos e falhas na segurança e na aplicação da lei.
Estudos de caso
Cientistas analisaram 41 estudos em países de todos os continentes. Eventos como tempestades, inundações, secas, ondas de calor e incêndios florestais foram avaliados juntamente com casos de assédio sexual, violência física, emocional, casamentos precoces e feminicídio.
De acordo com as evidências encontradas, as consequências dos desastres naturais — choque econômico, instabilidade social, ambientes propícios e estresse — tinham relação com o aumento da violência baseada em gênero.
“Na raiz desse comportamento estão as estruturas sociais e patriarcais que possibilitam e normalizam os abusos. Esses papéis, combinados com desigualdades que levam a marginalização, discriminação e expropriação, tornam as mulheres, meninas e minorias sexuais e de gênero desproporcionalmente vulneráveis aos impactos adversos de eventos extremos”, diz Kim van Daalen, pesquisadora do Departamento de Saúde Pública e Atenção Primária, em comunicado.
Van Daalen destaca que esses eventos não causam a violência, mas agravam os fatores que a geram ou criam ambientes que permitem esse tipo de comportamento. De acordo com os estudos analisados, os perpetradores da violência variam de parceiros e familiares a líderes religiosos, trabalhadores humanitários e funcionários do governo.
Um exemplo utilizado como estudo de caso pela equipe foi o do furacão Katrina que atingiu a costa dos Estados Unidos em agosto de 2005. A violência de gênero aumentou, particularmente a violência interpessoal ou violência por parceiro íntimo, segundo as pesquisas.
Outro fator decorrente dessa situação foi a falta de auxílio para a comunidade LGBTQIA+, que impedida de receber ajuda da Agência Federal de Gerenciamento de Emergências, além de sofrer ameaças em abrigos pós-desastre.
Também foi encontrada uma ligação entre a incidência de inundações e casamentos precoces em Bangladesh, com picos de casamentos entre crianças e adultos coincidindo com as enchentes de 1998 e 2004.
Desmascarando a violência
Apesar dos problemas gerados pelos eventos climáticos extremos, em alguns casos, passar por essa situação pode fazer com que algumas vítimas sintam que não aguentam mais o abuso, ou se sintam menos inibidas em denunciar a violência do que antes do evento. Entretanto as vítimas muitas vezes são silenciadas.
Van Daalen ressalta que a gestão de desastres precisa se concentrar na prevenção, mitigação e adaptação aos impulsionadores da violência baseada em gênero. E que a informação seja levada a todas as regiões onde mulheres, crianças e grupos minoritários são mais atingidos.
Por esse motivo os cientistas pedem que haja abrigos pós-desastre e serviços de socorro projetados para serem acessados exclusivamente por mulheres, meninas e minorias sexuais e de gênero ou fornecer equipes de resposta a emergências especificamente treinadas na prevenção da violência de gênero.
Da mesma forma, deve haver iniciativas de empoderamento para que as vítimas se sintam seguras e tenham oportunidade de mudar o rumo de seu destino.
Fonte: Galileu