“Greenwashing”: mentiras sobre neutralidade carbono de países e empresas podem levar a aquecimento de 2,8°, diz ONU

O apelo feito pelo secretário geral da ONU teve como alvo os governos, principalmente do Grupo das vinte economias avançadas (G20), do qual o Brasil faz parte, bem como atores privados e instituições financeiras.

A seca é uma das consequências das mudanças climáticas. Na foto o lago Poyang, na província de Jiangxi, na China, que em agosto perdeu 90% de sua superfície em menos de dois meses. — Foto: Reuters

Os objetivos da neutralidade do carbono são inúteis se não agirmos para cumpri-los, afirmou o secretário-geral da ONU nesta quinta-feira (27), destacando que o mundo “não pode mais permitir o greenwashing”, termo em inglês que consiste em manter um discurso ecológico ao mesmo tempo em que se promove práticas não sustentáveis. Diferenças entre promessas e práticas de países e empresas sobre neutralidade carbono poderiam levar o mundo a um aquecimento de 2,8°C. 

“Os compromissos de neutralidade do carbono não valem nada sem planos, políticas e ações que os apoiem”, disse Antonio Guterres, em um vídeo divulgado por ocasião da publicação da avaliação anual do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre o progresso dos compromissos assumidos no Acordo de Paris de 2015.

“Os compromissos climáticos globais e nacionais são lamentavelmente insuficientes”, disse Guterres no vídeo, divulgado a menos de duas semanas do início da conferência climática COP27 da ONU no Egito.

“Em outras palavras, caminhamos para uma catástrofe global”, alertou Guterres. Além disso, ele pediu que mais objetivos sejam alcançados para respeitar o compromisso do acordo climático de Paris de limitar o aquecimento global a menos de 2 ºC em relação aos níveis pré-industriais, e a 1,5 ºC, se possível.

O público-alvo do vídeo são os governos, particularmente do Grupo das vinte economias avançadas (G20), do qual o Brasil faz parte, bem como atores privados e instituições financeiras.

Greenwashing

Cada vez mais governos, empresas e cidades firmam compromissos com a neutralidade do carbono, mas na maioria dos casos não serão cumpridos até 2050. “Nosso mundo não pode permitir mais o greenwashing”, alertou Guterres.

O grupo de especialistas estabelecido pelo secretário-geral para desenvolver padrões e avaliar os compromissos de neutralidade do carbono por parte de atores não estatais informará suas conclusões na COP27.

Milhares de empresas anunciaram objetivos de neutralidade do carbono, mas muitas são suspeitas ou inclusive acusadas abertamente de não cumprir com seus compromissos.

Esse “greenwashing” é facilitado ainda mais pela falta de um marco internacional comum para avaliar e supervisionar os compromissos de redução das emissões. Guterres também mencionou a necessidade de investir “maciçamente” em energias renováveis, pedindo a criação de um “pacto histórico entre as economias desenvolvidas e emergentes do G20” para impulsionar a transição energética.

Aquecimento de 2,8 graus

Um dia após a Secretaria para Mudança Climática da ONU ter afirmado que os compromissos atuais estão muito distantes de responder às metas fixadas em Paris, a avaliação do PNUMA reforçou o alerta. De acordo com o relatório, os compromissos de redução de emissões deixam o mundo a caminho de um aquecimento global de até 2,6 graus Celsius até o fim do século.

O relatório examina a diferença entre a poluição por CO2, de acordo com os planos dos países para descarbonizar suas economias, e o que a ciência considera ser necessário para conter o aquecimento entre 1,5ºC e 2ºC em comparação com a era pré-industrial.

Além de serem insuficientes, o documento também alerta para o não cumprimento destas metas, o que levaria a um aquecimento ainda maior, de 2,8°C, muito acima das metas do Acordo de Paris.

Pacto

No ano passado, durante a COP26 de Glasgow, os países assinaram um “pacto” para estimular o reforço a cada ano das contribuições em nível nacional. Mas apenas 24 países cumpriram o acordo, segundo o PNUMA.

O relatório afirma que os últimos compromissos anunciados pelos países, denominados “contribuições determinadas em nível nacional” (NDC), reduziriam as emissões em 5% até 2030 em relação à trajetória atual para os acordos feitos sem condições e em 10% para aqueles efetuados com condições de financiamento ou ações externas.

Isto, em termos de aquecimento, implica que as contribuições sem condições “apresentam uma possibilidade de 66% de limitar o aquecimento a cerca de 2,6°C até o final do século”.

Considerando os compromissos que apresentam condições, o resultado é um pouco melhor, mas provocaria um aumento de 2,4°C, que continua muito acima dos objetivos do Acordo de Paris.

Quando são considerados os compromissos de “neutralidade de carbono” que vários países anunciaram recentemente, o aumento pode ser contido a 1,8ºC.

“Mas esta perspectiva atualmente é inverossímil”, destacaram os especialistas no relatório, que aponta “divergências” entre as promessas e os resultados.

Covid

Em 2020, as emissões globais caíram 7%, em linha com o nível esperado para manter o aquecimento global em 1,5°C, devido ao fato de que a crise da Covid-19 paralisou grande parte da atividade mundial.

Mas o aumento em 2021 pode fazer deste ano um recorde em termos de emissões, destaca o PNUMA.

“Vemos uma recuperação completa nas emissões após a Covid. É uma oportunidade perdida em termos de uso dos fundos de recuperação sem precedentes para acelerar uma transição verde”, afirmou à AFP Anne Olhoff, principal autora do relatório.

Fonte: G1