EXCLUSIVO: Deficientes visuais ganham novos espaços para integração com o meio ambiente

Danielle Jordan / AmbienteBrasil

A deficiência não é barreira para o contato com a natureza. Algumas iniciativas estimulam a inclusão, mostrando que as belezas naturais além de apreciadas com os olhos, podem ser também um deleite para os outros sentidos. No próximo sábado, dia 3, será inaugurada uma trilha desenvolvida para deficientes visuais em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, RPPN. O coordenador do projeto, o engenheiro florestal Fernando Lima, acredita que esta iniciativa seja a primeira em propriedade privada.

A RPPN Cachoeira Bonita fica em Colinas do Sul, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, a 280 quilômetros de Brasília. Ela pertence à Fazenda São José dos Palmares. A proposta foi desenvolvida pela Fundação Pró-Natureza, Funatura, como parte do projeto de estabelecimento de RPPNs no Cerrado, e conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD, e do Global Environment Facility, GEF.

O geógrafo Adolpho Kesselring, responsável pela implantação da trilha, explica que são 880 metros que passam por diferentes ambientes, até chegar na cachoeira do rio Tocantizinho. O espaço foi preparado com cabos-guia e placas de identificação em alfabeto braille, para que os deficientes possam identificar as espécies e se nortear no percurso. “São mais de 120 espécies arbóreas, como ipês, jatobás, indaiás, etc”, diz o geográfo, ressaltando também os diferentes aromas que os visitantes podem sentir. “A trilha é muito rica em dados também”, justifica. “Eles terão contato com diferentes fitofisionomias do cerrado como mangue, cerrado rupestre, área alagada, mata seca, área aberta”.

A preocupação com o meio ambiente é visível em todas as etapas do projeto. Para a confecção das placas foram reaproveitadas chapas de radiografia. As barreiras da trilha também tiveram aproveitamento de matéria-prima disponível na própria localidade, como pedras e galhos, por exemplo.

Adolpho diz ainda que foram realizadas adaptações para dar mais segurança e permitir o banho de cachoeira aos deficientes visuais. Mas a reserva possui também ajustes para os portadores de outros tipos de deficiência física. Os cadeirantes têm acesso fácil à reserva, pois as barreiras estão presentes somente na trilha.

Um grupo de deficientes visuais de Brasília colaborou com o projeto, dando sugestões e auxiliando na confecção das placas em braille. Eles estiveram na reserva, testaram e aprovaram a trilha. Neuma Mirian Pereira, portadora de deficiência visual desde um ano e meio de idade, fala sobre a experiência: “Foi muito gratificante, eu gosto muito da natureza e tinha vontade de fazer uma trilha com essas facilidades”. Ela conta que no início do ano esteve em uma cachoeira em Pirenópolis (GO), mas encontrou dificuldades, pois o terreno era muito acidentado.

Neuma assegura que a experiência foi marcante. “Me senti como uma criança, podendo caminhar, ter contato com as pedras”, diz, contando que aproveitou uma delas como seu marco de localização na cachoeira.

Na inauguração, marcada para as 9 horas, vai ocorrer uma atividade “contrária”: os deficientes visuais que colaboraram com o projeto servirão como guias para os visitantes que serão vendados para caminhar na trilha. A sugestão foi dada pelos próprios deficientes visuais “para que as pessoas videntes tivessem uma experiência nova, vivenciando por um instante como é a deficiência visual”, explica Neuma. “Para que vejam qual o grau de dificuldade que a gente tem”.

A coordenação explica que o acesso ao local deve ser feito pela rodovia GO-118, em direção a Alto Paraíso, até o trevo para o povoado de São Jorge. Depois do povoado, são mais 35 quilômetros passando por Colinas do Sul, saída para Niquelândia. O local possui placas indicando o percurso.

No Parque Nacional, em Brasília, um projeto semelhante possibilita a integração dos deficientes visuais com a natureza. Ele está em fase de implantação, mas já possui algumas áreas em funcionamento, explica o coordenador do núcleo de Educação Ambiental, Genebaldo Freire. A iniciativa partiu de uma aluna do curso de especialização em Educação Ambiental da Universidade Católica de Brasília, onde Genebaldo também é professor. Ildênia Moreira Valadares, idealizadora do projeto, conta que a idéia surgiu quando levou alguns alunos, deficientes visuais, para visitar a Flona, Floresta Nacional de Brasília, e eles manifestaram o desejo de ter um espaço adaptado, onde pudessem vivenciar uma maior interatividade com o meio ambiente. Ildenia busca agora apoio da Corde, Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que financia projetos nessa área.

Genebaldo explica que desde o início do projeto, em junho do ano passado, os deficientes visuais atuam como consultores, sugerindo as adaptações necessárias. “Existe todo um processo de comunicação com o deficiente visual, com placas em código braille, mapas e orientação táteis, linhas guias, etc”, diz. Ildenia, que hoje trabalha na ABIN, Agência Brasileira de Inteligência, diz que pretende continuar atuando como voluntária na área de educação ambiental, principalmente com deficientes visuais.

Fotos cedidas pela Funatura. Na ocasião, o grupo de deficientes visuais visitava a trilha para sugerir novas adaptações.