A barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho (MG) deixando centenas de desaparecidos e dezenas de mortos já não recebia rejeitos da mineração há três anos, mas usava um método de contenção que especialistas dizem ser mais barato e que muitos atestam ser também o menos seguro.
Apesar disso, a fiscalização ainda é limitada e muito dependente do monitoramento das próprias mineradoras – o que aumenta ainda mais os riscos da exploração de minério, afirmam geólogos e engenheiros ouvidos pela BBC News Brasil.
O método conhecido como “alteamento a montante”, no qual a barreira de contenção recebe camadas do próprio material do rejeito da mineração, era usado pela mina Córrego do Feijão em Brumadinho e também pela mina do Fundão, também da Vale, em Mariana, onde uma barragem se rompeu há três anos.
“É a forma mais comum porque é mais barata para se construir e mais rápida de se licenciar porque ocupa menos espaço da bacia hidrográfica. Mas é também a mais perigosa e com maior risco. Por isso países com características similares ao do Brasil não usam ou estão proibindo”, explica o geólogo Eduardo Marques, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Ele cita o Chile e o Peru como países que baniram o método e a África do Sul como um dos que podem proibir em breve. A Austrália, porém, ainda o usa. “Mas a região é mais seca que no Brasil e os vales são mais abertos que os de Minas Gerais”, salienta Marques.
Nesta segunda-feira, em entrevista à GloboNews, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles também criticou esse tipo de barragem, dizendo que usa um método “antigo” e “superado”. Salles afirmou ainda que mineradoras devem deixar de usá-lo quando for possível.
Mas a engenheira Rafaela Baldí, que é projetista de barragens, diz que não se pode “vilanizar” métodos de construção porque “absolutamente todos têm riscos”.
“O problema não é o alteamento (ampliação da capacidade) da barragem, é como ele é feito e monitorado. Não gosto de demonizar o método. São as pessoas que em algum momento tomam a decisão errada”, salienta Baldí.
Por que é preciso construir barragens de rejeitos?
O professor Eduardo Marques explica que o minério extraído solo precisa passar por um processo de separação de impurezas para aumentar o valor comercial e, para isso, normalmente usa-se água e substâncias químicas.
O que resta desse processo é chamado de rejeito e há três tipos mais comuns barragens para contenção desse material, para evitar que os resíduos sigam para os rios. Todos começam com a construção de um dique e um tapete drenante, para eliminar a água armazenada no interior da barragem. O que muda é o método usado para aumentar a capacidade de armazenamento por meio de construção de alteamentos.
Barragem a montante
É o método mais comum e mais barato. Os rejeitos são depositados na própria barragem, formando uma “praia” de resíduos da mineração que, com o tempo, é adensada. Esse material é usado, com o tempo, para fazer novos alteamentos.
No caso de Brumadinho, os rejeitos são compostos basicamente de ferro, sílica e água. Esse tipo de estrutura é considerada mais barata porque usa menos material e também ocupa uma área menor, portanto, desmata menos, diz o professor Eduardo Marques. Mas é muito sensível a qualquer vibração, explica Rafaela Baldí.
Barragem a jusante
É a mais cara, mas considerada a mais segura. Porém, ocupa um espaço maior e provoca, já na construção, impacto ambiental com desmatamento, diz o professor Eduardo Marques. Não se usa rejeitos consolidados para os alteamentos – é possível aumentar a capacidade da barragem com mesmo material do dique inicial ou com outros materiais como pedras e argila, normalmente recolhidos na própria mineração.
Nesse caso, cada alteamento é estruturalmente independente da disposição do rejeito, o que melhora a estabilidade da estrutura. Segundo Rafaela Baldí gasta-se pelo menos 30% mais material para armazenar o mesmo volume que no caso das barragens a montante.
Barragem linha de centro
É um sistema intermediário em termos de custo, com disposição semelhante ao do método a montante. No entanto, um dreno acompanha o alteamento da construção e os rejeitos são lançados a partir da crista do dique inicial. “Esse é o método mais seguro para construção de barragens de rejeito”, diz o site do Instituto de Tecnologia da Vale.
Depósito de rejeitos a seco
Há também o método a seco, ainda pouco comum no Brasil. Ao contrário dos outros métodos, que depositam a água juntamente com os rejeitos, no método a seco o rejeito é acumulado e armazenado na bacia de disposição, normalmente em áreas inclinadas para facilitar o escoamento. Eles são drenados e depositados em pilhas, que ficam expostas à secagem ao sol.
“Não temos experiência técnica ainda, pode ser que haja uma curva de aprendizado. Mas o Canadá tem tido problema com esse método nas áreas onde chove mais”, observa.
Não há risco zero
Especialistas alertam ainda que nenhum desses métodos tem risco zero de acidentes – mesmo que a barragem não esteja sendo mais utilizada.
“Barragens têm que ser monitoradas para o resto da vida”, diz Rafaela Baldí.
A escolha do método, contudo, depende de uma série de fatores – entre eles, o clima, a topografia e a ocupação da região próxima à barragem. E, claro, os custos e o prazo para se construir.
Especialista em monitoramento, o geólogo Bráulio Magalhaes, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que o Brasil não perde em nada para outros países em termos de tecnologia de monitoramento. As empresas já usam drones e aeronaves capazes de detectar qualquer variação milimétrica, além de diferentes medidores e radares.
‘Não vejo a fiscalização no mesmo nível’
Para Magalhães, contudo, há ainda pouco investimento das empresas na contratação de mão de obra capacitada para analisar esses dados. Ele afirma ainda que as empresas dificilmente compartilham os dados com pesquisadores, o que dificulta monitoramento externo das barragens.
“Falta transparência”, diz Magalhães, emendando que também falta exigir projetos que levem em conta a integração das minas com a população local. “Não basta fazer audiências públicas”, diz, sugerindo que empreendimentos das mineradoras devem ser desenhados na medida para cada comunidade e ainda fazer com que moradores locais ajudem no monitoramento.
“Eles sabem quando o rio está diferente, quando vai chover mais forte… Moradores locais são excelentes sensores e as empresas ainda não os veem assim no Brasil”, observa o professor da UFMG.
Bráulio Magalhães, contudo, afirma que os órgãos de fiscalização não estão no mesmo nível das empresas, que têm condições e recursos para investir em equipamentos de segurança e monitoramento.
A engenheira Rafaela Baldí lembra que, em 2017, o Departamento Nacional de Produção Mineral, agora Agência Nacional de Mineração (ANM), baixou uma portaria dificultando a construção de barragens a montante e que, depois da tragédia em Mariana, todas as empresas foram obrigadas a entregar um plano de segurança – a Vale entregou um para a mina Córrego do Feijão.
“Quando acontece algo como em Brumadinho, me pergunto: o que aconteceu com os planos de ação emergencial e de evacuação?”, diz Baldí.
Por meio de nota, a Agência Nacional de Mineração informou que “está tomando todas as medidas institucionais cabíveis, visando a auxiliar na mitigação dos danos causados pelo incidente” em Brumadinho.
Segundo a ANM, a barragem “não apresentava pendências documentais” e a Vale apresentou declarações de condição de estabilidade, que atestam a segurança física e hidráulica da barragem.
“De acordo com as informações declaradas pela empresa Vale S.A. no Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM), pertencente à ANM, com base em vistoria realizada em dezembro de 2018, por um grupo de técnicos da empresa, não foram encontrados indícios de problemas relacionados à segurança da referida estrutura”, diz a nota da ANM.
A Vale, também por meio de nota, diz que está “ainda buscando respostas para o ocorrido”. Afirma ainda que a barragem que rompeu “estava inativa (não recebia rejeitos), não tinha a presença de lago e não existia nenhum outro tipo de atividade operacional em andamento”. “No momento, encontrava-se em desenvolvimento o projeto de descomissionamento da mesma”, explicou a companhia.
Alternativa para as barragens de rejeito
Segundo o site do ITV (Instituto Tecnológico da Vale), “a Vale e o ITV já atuam intensamente na busca e desenvolvimento de tecnologias que tornem o reaproveitamento de rejeitos uma realidade”.
Ainda de acordo com o site, rejeitos depositados em barragens têm teor igual — e em alguns casos até maior — ao mineral bruto que é lavrado em outras minas.
“A recuperação e o aproveitamento desse material iria possibilitar um aumento da recuperação metalúrgica e em massa nas plantas de beneficiamento e contribuir para a redução do impacto e passivo ambiental das empresas mineradoras. Dessa forma, ainda seria possível evitar os custos e o tempo gasto para obtenção das licenças ambientais necessárias para ampliação ou construção de novas barragens de rejeito”, afirma o ITV.
Na UFMG, por exemplo, há pesquisas para transformar os rejeitos em material de construção como tijolos.
Fonte: BBC