Em um pântano do norte de Everglades em 2015, o biólogo Corey Callaghan observou um enorme bando de andorinhas-das-árvores voando sob o sol da manhã. Enquanto a multidão de aves passava sobre eles, Callaghan e seu parceiro olhavam admirados. Ele ficou imaginando quantas andorinhas havia no bando — e além disso, quantas aves existem no mundo inteiro?
“Foi uma experiência incrível”, comenta Callaghan. Inspirado, ele começou calculando as aves do bando que acabara de testemunhar: mais de meio milhão. Ele chegou a esse número através das fotografias que tirou, contando as aves em diferentes segmentos das imagens e ampliando-as.
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Contar todas as aves do mundo seria muito mais complicado, por motivos óbvios, mas, anos depois, Callaghan decidiu ser o primeiro a chegar a um número sólido — ou pelo menos uma aproximação plausível. Em um novo artigo, ele e dois outros pesquisadores da Universidade de New South Wales em Sydney, Austrália, estimam que existam provavelmente entre 50 bilhões e 428 bilhões de aves na Terra.
A amplitude dessa faixa se deve a diversas incertezas — entre elas, a dificuldade de contar bilhões de pequenos animais capazes de voar, os territórios vastos e muitas vezes pouco claros sobre os quais as aves viajam e a falta de dados científicos em diversas áreas do mundo.
O estudo, publicado em 17 de maio na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, usa uma metodologia única que combina dados coletados por organizações científicas profissionais e cientistas cidadãos, e abrange 92% de todas as espécies de aves do mundo.
Esse estudo é a primeira tentativa de estimar a população mundial de aves, espécie por espécie. Para Callaghan, o trabalho já deveria ter sido feito: “gastamos muito tempo e esforço contando humanos, mas precisamos ter certeza de que estamos monitorando toda a biodiversidade com a qual compartilhamos o planeta Terra”.
Muitos pardais, poucas raridades
De acordo com o artigo, a ave mais abundante do mundo é o pardal-doméstico, com uma população de 1,6 bilhão. Em segundo lugar está o estorninho-malhado (1,3 bilhão), seguido pela gaivota-de-bico-riscado (1,2 bilhão), a andorinha-de-bando (1,1 bilhão), a gaivota-hiperbórea (949 milhões) e o papa-moscas-de-alder (896 milhões).
Os cientistas não ficaram surpresos ao encontrar apenas algumas espécies superabundantes e muitas outras raras, como é o padrão comum na ecologia. No geral, eles estimam que cerca de 1,1 mil espécies de aves — 12% do total mundial — tenham uma população total abaixo de 5 mil indivíduos cada.
Se uma espécie tem uma população total abaixo de 2,5 mil, ela é classificada pela União Internacional para a Conservação da Natureza como uma espécie ameaçada de extinção.
Essas raridades incluem de tudo, desde os kiwis da espécie Apteryx haastii (população estimada: 377 indivíduos) às águias Nisaetus bartelsi (630) e o falcão Falco araeus (menos de 100). Quanto às andorinhas-das-árvores que ajudaram a despertar a curiosidade de Callaghan, elas contabilizam cerca de 24 milhões, conforme ele descobriu durante o estudo.
Para efeito de comparação, a população mundial estimada de galinhas domésticas é algo em torno de 25 bilhões, tornando-as, de longe, as aves mais abundantes. Mas este estudo tratou apenas de aves selvagens.
Não está claro quantas aves o mundo perdeu nas últimas décadas, mas este estudo ajuda a fornecer uma estimativa para estabelecer uma linha de base. Um artigo de 2019 calculou que a população total de aves reprodutoras adultas na América do Norte diminuiu em 3 bilhões desde 1970.
A novidade deste estudo é a maneira como ele combina dados de ciência profissional e ciência cidadã, de acordo com Lucas DeGroote, pesquisador do Centro de Pesquisa Aviária Powdermill do Museu Carnegie de História Natural.
“É muito ambicioso — é uma tarefa enorme tentar descobrir quantas aves existem no mundo”, afirma DeGroote. “Eles refletiram muito a respeito e tomaram todas as medidas para tornar o estudo o mais preciso possível.”
A fragilidade da natureza
Os pesquisadores usaram estimativas de três conjuntos de dados produzidos por especialistas em todo o mundo para as organizações científicas Partners in Flight, Fundo Britânico para a Ornitologia e BirdLife International. Eles combinaram esses dados com as observações do eBird, o maior banco de dados do mundo coletados por cientistas cidadãos — neste caso, observadores de pássaros amadores.
Os cientistas descobriram que, em muitos casos, a densidade e as estimativas populacionais percebidas pelos profissionais e pelos cientistas cidadãos eram relativamente semelhantes. Eles então estimaram o tamanho da população de outras espécies, algumas das quais careciam de dados profissionais abrangentes, inserindo informações do eBird em um modelo gerado por computador.
Os pesquisadores são os primeiros a admitir que há muita incerteza em suas estimativas. Mas parte da força do estudo é que ele quantifica essa incerteza e fornece uma ampla gama de populações possíveis para milhares de aves, explica Thomas Brooks, cientista-chefe da União Internacional para Conservação da Natureza, que não participou do estudo.
Ken Rosenberg, cientista conservacionista do Laboratório de Ornitologia Cornell, considerou o estudo “uma tentativa ousada”. Mas ele recomenda cautela na interpretação dos dados, devido à variabilidade e incerteza nas estimativas.
“É difícil confiar nos números individuais de cada espécie”, afirma Rosenberg, e mais ainda nas estimativas globais: “foi como se eles lançassem um desafio [para outros pesquisadores] — se não gosta desse número, sugira um melhor”.
Para Brooks, o artigo ilustra o quanto muitas espécies de aves são preciosas e quão perto do limite de serem extintas elas podem chegar se novas ameaças surgirem.
“O estudo nos mostra a fragilidade da natureza — precisamos prestar atenção ao meio ambiente e ao nosso impacto sobre ele”, declara Brooks.
DeGroote concorda. “Para fins de preservação, temos que saber quantos [indivíduos de uma espécie] existem e qual é a tendência. Esta é uma ótima ferramenta para medir populações no futuro.”
Fonte: National Geographic Brasil