Enquanto líderes mundiais se reúnem na Assembleia Geral da ONU, acontece também a Semana de Ação Global para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que pretende discutir e impulsionar ações de diferentes setores da sociedade civil em relação à Agenda 2030.
E a realidade brasileira em relação ao desenvolvimento sustentável é muito diferente da boa imagem que Bolsonaro tentou transmitir para a comunidade internacional nesta terça-feira (21). De acordo com a quinta edição do Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030, o Brasil não apresentou avanço satisfatório em nenhuma das 169 metas da agenda de desenvolvimento sustentável, definida pela ONU em 2015. E, pior, 54,4% delas estão em retrocesso, 16% estão estagnadas e 12,4%, ameaçadas.
Produzido pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030) e lançado em julho de 2021, o Relatório Luz foi construído por 106 especialistas a partir de dados governamentais. Nesta Semana de Ação Global para os ODS, o documento volta ao debate ao mesmo tempo em que a 76ª edição da Assembleia Geral da ONU discute as mudanças climáticas e o cenário pós-pandêmico.
No ODS 13, por exemplo, que prevê justamente uma Ação Contra a Mudança Global do Clima, quatro das cinco metas foram classificadas como em retrocesso no Brasil. Essa categoria refere-se a políticas ou ações que foram interrompidas, alteradas ou perderam orçamento. O relatório aponta que, em 2020, foram editadas ao menos 150 normas de impacto ambiental e climático, seja promovendo reformas ou flexibilização de regulamentos ou revogando atribuições de proteção ambiental.
A deficiência brasileira na gestão de risco e impactos de desastres naturais em 2020 e 2021 foi ainda mais evidente ao longo da pandemia de Covid-19. “Foram 1.920 alertas e 626 ocorrências em 2020, enquanto a média do período entre 2016 e 2019 foi de 1.362 alertas e 279 ocorrências”, consta no documento.
Em relação à educação, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve níveis recorde de abstenção na edição de 2020, realizada durante a pandemia, ultrapassando 50% em ambos dias de prova. “A nomeação de criacionistas, fundamentalistas, defensores da privatização e de pessoas indicadas por militares para o Conselho Nacional de Educação (CNE) coloca em risco todos os parâmetros educacionais”, diz o Relatório Luz.
O documento retrata a ausência de políticas públicas como uma das causas que contribuíram para o aumento da desigualdade educacional no Brasil durante a pandemia, que afastou milhões de crianças e adolescentes das aulas devido a dificuldades no acesso à internet.
Quanto ao ensino superior, os cortes orçamentários são encarados como um desmonte pelos especialistas. Desde 2019, as universidade federais tiveram mais de 18% de cortes em seu custeio. Já as bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sofreram queda de orçamento de R$ 9 milhões em 2015 para R$ 4,5 milhões em 2019.
Em meio à grave crise sanitária, o desempenho do Brasil também é insatisfatório na área da alimentação. A erradicação da fome, prevista na ODS de número 2, está longe de ser alcançada, e os brasileiros viram sua insegurança alimentar aumentar de 36,6% em 2018 para 52% em 2020, representando 113 milhões de pessoas.
Além disso, o objetivo de “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades” ficou ainda mais distante devido ao não reconhecimento da gravidade da Covid-19 pelo governo federal, afirma o relatório. Embora o Brasil seja um dos países que figuram entre os mais afetados pela pandemia, os indicadores mostraram que R$ 22,8 milhões do orçamento autorizado em 2020 para o Sistema Único de Saúde (SUS) ficaram parados.
Enquanto seis das 13 metas do ODS de saúde foram marcadas como em retrocesso, três foram classificadas como “insuficientes” (que indica desenvolvimento lento), uma está estagnada (sem avanço ou retrocesso significativos) e outras três, ameaçadas, o que significa que a meta tem seu alcance comprometido.
“O Brasil está na vanguarda do retrocesso. Esse resultado não constitui uma surpresa, mas mostra, de forma incontestável, a destruição de um conjunto de direitos que foram construídos ao longo de uma década”, disse Alessandra Nilo, durante o lançamento do relatório. Ela atua como coordenadora da ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, que foi responsável pela edição do documento.
O que fazer?
Com exceção de 15 metas que não foram classificadas pela falta de dados públicos, o documento elenca, ao final de cada ODS, uma lista de recomendações que poderiam ajudar o país a modificar (e, quem sabe, reverter) parte do cenário diante da agenda 2030.
“A crise atual merece atenção, mas ao mesmo tempo temos a oportunidade de construir um futuro social e economicamente melhor”, afirmou a chefe adjunta da delegação da União Europeia no Brasil, Ana Beatriz Martins, durante o mesmo evento de divulgação do relatório.
É evidente que o cumprimento de todos os objetivos não é tarefa simples, mas é com a missão de esclarecer e relembrar os caminhos para o desenvolvimento sustentável que o relatório surge. “A agenda dos ODS, mais do que nunca, é fundamental para o Brasil retomar seu desenvolvimento social e econômico de maneira sustentável e equitativa”, concluiu Martins.
Fonte: Galileu