Desmatamento impulsiona emissões de CO2 no Brasil em 2020

Na contramão do mundo, que registrou uma redução na média de emissões por causa da pandemia, Brasil teve um aumento de 9,5% no lançamento de gases de efeito estufa. Desmatamento corresponde a 46% do total.

Avanço de áreas desmatadas na Amazônia. No ranking global de maiores poluidores, o Brasil ocupa a quinta posição.

Num ano marcado pela pandemia de covid-19, em que os motores das maiores economias desaceleraram, o Brasil intensificou sua carga de poluição lançada na atmosfera. As emissões brutas de gases de efeito estufa do país em 2020 chegaram a 2,16 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e), um aumento de 9,5% em relação ao período anterior. É o maior nível desde 2006.

Isso ocorreu enquanto média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por causa das paralisações de voos, serviços e indústrias ao longo do ano passado por causa pandemia.

O movimento contrário à tendência mundial tem uma fonte determinante: o desmatamento. Quando ele sobe, o que foi verificado no ano analisado, o reflexo nesse cálculo é imediato. Os gases que o desmatamento provoca, atividade classificada como mudanças do uso da terra, são responsáveis pela maior parte das emissões brasileiras, 46% do total (998 milhões tCO2e).

 “Os gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelas mudanças do uso da terra aumentaram 23,6% no ano passado”, ressaltou Tasso de Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, que apresentou o novo levantamento nesta quinta-feira (28/10).

Os dados brasileiros são divulgados num momento em que o mundo se esforça para diminuir a poluição de CO2 num cenário de avanço rápido das mudanças climáticas, comenta Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e um dos autores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

“É um aumento muito expressivo. Isso vai trazer uma pressão monstruosa sobre o Brasil nessa conferência do clima”, pontua Artaxo, mencionando a 26º edição da reunião organizada pela  Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCC), que começa no próximo domingo, em Glasgow.

“Ninguém vai querer dar dinheiro para o Brasil, ninguém vai querer pagar para um país aumentar a sua principal fonte emissora, que é o desmatamento”, analisa Artaxo, fazendo referência a doações internacionais feitas ao país pela redução da destruição da Floresta Amazônica – como ocorria com o Fundo Amazônia, suspenso sob a administração Bolsonaro.

Mais boi e fertilizante

Depois do uso da terra (46% do total), seguem a agropecuária, com 27% das emissões brutas; o setor de energia(18%); processos industriais (5%) e resíduos (4%).

Em 2020, o agro atingiu um recorde também nesse campo. Foram 577 milhões tCO2e, um aumento de 2,5% em relação a 2019. Esse é o maior índice já medido para a atividade desde 1970, segundo os dados do SEEG.

A contagem leva em conta gases liberados durante a digestão de ruminantes, com destaque para o metano liberado durante o “arroto” do boi, chamado tecnicamente de fermentação entérica. São considerados também tratamento dos dejetos desses animais, cultivo de arroz irrigado, queima dos resíduos agrícolas do cultivo de cana-de-açúcar e algodão, manejo dos solos agrícolas – como uso de fertilizantes.

A fermentação entérica representa a maior parte das emissões do agro (65%). Uma explicação para esse cenário é a permanência de mais bois no pasto devido à queda do consumo de carne no Brasil durante a pandemia. “Essa é uma notícia muito ruim pra o país, já que limitações de emissão de metano vão começar a ser negociadas e impostas”, comentou Artaxo.

O consumo de fertilizantes sintéticos, que também atingiu um patamar inédito em 2020, de 5,3 milhões de toneladas, puxou as emissões desse subsetor em 17,4%. Os pesquisadores que trabalharam nos dados desconfiam que essa subida esteja relacionada à produção de grãos, que teve uma marca recorde de 255,4 milhões de

toneladas.

“Apesar da alta, a agropecuária tem grande potencial pra ser explorada em termos de redução de suas emissões. Pra isso, é preciso encontrar formas de dar escala e acelerar técnicas de produção de baixo carbono já conhecidas e usadas”, comentou Renata Potenza, do Imaflora, durante a apresentação do relatório.

Energia

Como esperado, as emissões do setor de energia teve uma redução forte nas emissões, de 4,6%. Isso se explica principalmente pelas restrições e isolamento social no primeiro semestre devido à pandemia, o que diminui a queima de combustíveis fósseis no transporte de passageiros.

“Embora tenha um peso pequeno no geral, o consumo de querosene de aviação caiu pela metade”, pontou Felipe Barcellos, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

O setor de processos industriais e uso de produtos teve uma oscilação de 0,5% para cima, na contramão da energia. Uma alta de 1,6% foi observada na área de resíduos, o que, segundo os pesquisadores, se deve principalmente ao tratamento de esgoto domésticos e aumento na produção de lixo durante a pandemia.

“Esses números são maiores em locais com maior urbanização e população”, afirmou Iris Coluna, analista de projetos do braço da ONG ICLEI na América do Sul.

Dúvidas sobre metas

No ranking global de maiores poluidores, o Brasil ocupa a quinta posição, atrás de China, Estados Unidos, Rússia e Índia. Quando se considera a média mundial de emissões per capita, o brasileiro se destaca: são 10,2 toneladas brutas contra 6,7 da média mundial.

Em Glasgow, o que o país terá a apresentar é uma tendência de curva de crescimento da carga de gases emitida e dúvidas sobre o cumprimento de compromissos assumidos no Acordo de Paris.

Segundo as promessas de 2015, o país reduziria suas emissões líquidas em 37% até  2025 em relação aos níveis de 2005, o que totalizaria uma emissão máxima de 1,3 bilhão de toneladas líquidas de CO2. Além da meta para 2025, o país indicou que chegariam em 2030 com 43% de redução – também em relação a 2005.

Uma manobra feita pelo Ministério do Meio Ambiente no ano passado, porém, deu margem para que o país aumente em 400 milhões de toneladas de CO2e o limite de emissão previsto para 2030. O caso ficou conhecido como “pedalada de carbono”, e foi mencionado num relatório recente da ONU como um exemplo de retrocesso.

“Os números do Brasil completam o ciclo negativo desse governo de Jair Bolsonaro”, comentou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, citando o aumento do desmatamento, das invasões de terras públicas e dos crimes ambientais. “O Brasil chega a COP colhendo o que plantou. Plantou destruição ambiental está colhendo em forma de aumento de emissões”, complementou.

Fonte: Deutsche Welle