Artigo: Da autorização do corte de araucárias velhas isoladas e em pinheirais nativos

Prof. Dr. Alvaro Boson de Castro Faria
Perícias e Proteção Florestal / UTFPR-DV

Em janeiro deste ano, a Portaria IAP n. 10/2017 prorrogou novamente a suspensão das normativas paranaenses que regulamentavam o corte e aproveitamento de material lenhoso senil, desvitalizado e seco de árvores nativas. O aproveitamento de árvores isoladas também foi suspenso. Esta decisão foi tomada acatando o interesse do Ministério Público Estadual, que vê com preocupação a degradação da Mata Atlântica, bioma especialmente protegido pela legislação.

A questão das árvores nativas velhas, em ambiente natural ou isoladas é instigante, me fez pensar em escrever sobre outros aspectos que contribuiriam com o debate. Vou tomar a liberdade para escrever poucas reflexões sobre o caso dos pinheirais nativos e as araucárias velhas e senis.

As percepções que vou apresentar tem o intuito de provocar uma análise pelo enfoque da área de conhecimento científico intitulada Proteção Florestal, pelo CNPq. Em escolas de engenharia florestal de outros países, esta área é denominada como Forest Health Protection.

O adjetivo health, não foi à toa inserido nesta nomenclatura, adotada pelo Serviço Florestal americano. A silvicultura de espécies nativas, que para eles é simbolizada pelo manejo das coníferas em Florestas Públicas, já reconhece há muito tempo que as plantas precisam estar saudáveis para não serem atacadas por insetos e doenças.

Trata-se do conhecido conceito de Bem Estar. Mas, não se pretende politizar o assunto, pois nas áreas das ciências econômicas o termo bem-estar pode ser associado ao welfare state, bem estar social. A ideia aqui é falar de bem estar humano, animal, e ressaltar que também vale para o reino vegetal.

Se uma pessoa precisa cuidar do corpo, mente e espírito para não adoecer, para os animais o desenvolvimento tecnológico vai ao mesmo sentido, quando se fala em sistemas integrados de produção, onde as árvores cultivadas fornecem sombra para os animais, contribuindo com outros serviços ambientais, e favorecendo a sustentabilidade.

E para as plantas idem.

A sociedade de forma geral reconhece a importância do Bem Estar vegetal na forma das certificações, que nada mais tratam da questão da QUALIDADE de um manejo florestal, aquele que utilize boas práticas, diminuído a competição entre árvores por água, luz e nutrientes. Regimes de podas e desbastes para tanto. Uso de remédios (agroquímicos) só em última alternativa, pois estaria demonstrando que o manejo não vai bem.

Cientificamente, o bem estar vegetal já foi demonstrado por muitos pesquisadores. Destacam-se os trabalhos do Dr. Francis Chaboussou da “Embrapa” francesa, que escreveu sobre adotando o termo “teoria da trofobiose” desde a década de 1960, abrindo o campo da agroecologia.

É fácil entender. Insetos e microrganismos consomem material orgânico das plantas. Se as cadeias de carboidratos das árvores estiverem resistentes, estes animais terão maior dificuldade de quebrá-las para alimentarem-se. E como são espertos, escolhem os indivíduos menos resistentes para deles, buscar alimentação. Pelo prisma do bem-estar vegetal, as pragas e doenças não passam de bioindicadores!

Exemplos são diversos. O manejo integrado da vespa da madeira vale-se da estratégia de uso de árvores armadilhas, estressadas intencionalmente com herbicidas, para chamarem estes insetos se estiverem na área, e caso isso ocorra, o método biológico será utilizado para combater esta praga.

Ao falar de pragas nativas, a teoria da trofobiose tem efeito inverso no caso das formigas cortadeiras. Como elas “caçam” plantas para fornecerem material vegetal para o fungo basidiomiceto que cultivam dentro dos formigueiros, há indícios que elas sabem selecionar as plantas sadias, cujas folhas apresentam mais nutrientes, para as atacarem. No caso de lagartas desfolhadoras, também preferem as folhas novas.

Quero chegar ao ponto abordado na peça do Ministério Público Estadual, que levanta a hipótese na qual as araucárias que estão senis, não poderiam ser manejadas, com planos autorizados pelos órgãos ambientais. Tal afirmação é totalmente despropositada, considerando a teoria da trofobiose e a defesa do Bem-Estar Vegetal das árvores do presente e futuro.

Segundo a opinião do MP, o estágio de podridão das árvores, no momento em que cessa a atividade fisiológica do pinheiro, seria o ponto de inflexão que mostraria que uma árvore estaria morta, e que até este ponto não poderia ser autorizado nenhuma intervenção humana para o manejo florestal. O Ministério Público desta forma, enseja defender a vida vegetal como se fosse a vida humana, esta que é uma garantia fundamental pela Carta Magna. Porém, a análise deveria ser considerando a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme explicitado pelo artigo 225.

De fato a podridão em árvores velhas é um sinal de ataque de fungos. Por que eles escolheriam estas árvores? Ao acaso? Obviamente que não. A análise pelo prisma científico é, porque estes indivíduos, pela senilidade, ou por dificuldades do meio físico, não estariam mais conseguindo realizarem suas trocas. Uma análise fitossanitária que os identificasse na floresta – através de inventários e planos de manejo – poderia ser utilizada para favorecer o bem estar do pinheiral, no momento em que o corte destes indivíduos estaria contribuindo para diminuir a concorrência com as árvores saudáveis.

Para não me estender muito, gostaria de lembrar um exemplo interessante que poderia ser utilizado para diagnosticar as árvores estressadas dos pinheirais, e que estariam em fase de declínio de desenvolvimento fisiológico.

Citam-se diversos estudos na área de Proteção Florestal com os besouros escolitídeos. Estes insetos são conhecidos por conseguirem identificar substâncias químicas exaladas pelas árvores, e as colonizam, cultivando fungos e fazendo galerias nos troncos ainda em pé. Os escolitídeos já foram verificados atacando as araucárias. A hipótese é que seriam bons indicadores para a seleção das árvores a serem desbastadas dos pinheirais, também conhecidas como “árvores do passado”, parafraseando o prof. Rudi Seitz (in memorian).

Implicações no manejo florestal utilizando a teoria da trofobiose levam a crer que um novo paradigma deva ser utilizado. Pinheirais nativos não possuem compromisso de atender critérios de certificações. Mas a consciência aqui, para que o manejo florestal sustentável seja adotado, deve partir da consciência de quem representa a sociedade em defesa do meio ambiente, ou seja, dos órgãos ambientais, e também do Ministério Público. Não se trata de criticar quem quer fazer manejo de nativas, e sim, de exigir e apresentar regulamentações que garantam a preservação (e conservação) da espécie, com base na garantia do BEM ESTAR DESTES ECOSSISTEMAS.