As turfeiras são um tipo de material pantanoso onde o composto vegetal morto não se decompõe totalmente porque está muito encharcado. Nestes ecossistemas, a turfa se acumula como solo esponjoso e escuro, às vezes referido como grama ou relva. Ao longo de milhares de anos, camadas de turfa com metros de espessura se acumulam e prendem grandes quantidades de carbono, ajudando a resfriar o clima em escala global.
Mas isso pode não ser verdade por muito mais tempo. O aquecimento das temperaturas e as ações humanas, tais como drenar pântanos e convertê-los para a agricultura, ameaçam transformar as turfeiras, de reservatórios de carbono em fontes de carbono.
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Em um estudo publicado recentemente, nossa equipe multidisciplinar de 70 cientistas de todo o mundo analisou a pesquisa existente e entrevistou 44 especialistas importantes para identificar os fatores que poderiam alterar o equilíbrio de carbono das turfeiras agora e no futuro. Descobrimos que a degradação do permafrost, o aquecimento das temperaturas, o aumento do nível do mar e a seca, estão fazendo com que muitas turfeiras ao redor do mundo percam parte do carbono armazenado. Isso se soma à rápida degradação causada pela atividade humana. E, a menos que sejam tomadas medidas para proteger as turfeiras, a perda de carbono pode acelerar.
De sumidouro de carbono a fonte de carbono
Embora ocupem apenas 3% da área terrestre global, as turfeiras contêm cerca de 25% do carbono global do solo – o dobro das florestas do mundo. As turfeiras existem em todos os continentes, até na Antártica. Nos EUA, elas são encontradas em muitos estados, incluindo Maine, Pensilvânia, Washington e Wisconsin. Esses ecossistemas se formam onde matéria orgânica parcialmente decomposta se acumula em solo frio, quase sempre úmido, o que retarda drasticamente sua decomposição.
Mas agora a mudança climática está alterando essas condições. Por exemplo, em muitas regiões do Ártico, o rápido descongelamento do permafrost promove a atividade microbiana que libera gases de efeito estufa na atmosfera. Esses micróbios se alimentam de turfeiras ricas em carbono que antes eram congeladas.
Grandes incêndios em turfeiras também contribuem. Incêndios florestais recentes, como os da Rússia, são conhecidos por liberar tanto carbono em poucos meses, quanto as emissões humanas totais de dióxido de carbono em um ano inteiro. E esses incêndios são especialmente difíceis de apagar. As brasas dentro da densa matéria orgânica podem reacender ao longo de muitos meses ou até mesmo anos depois.
As atividades humanas também estão aumentando as emissões de gases de efeito estufa desses ecossistemas ricos em carbono. No Reino Unido, por exemplo, a extração de turfa para uso na jardinagem fez com que as turfeiras emitissem cerca de 16 milhões de toneladas de carbono por ano – aproximadamente o equivalente às emissões anuais de gases de efeito estufa de mais de 12 milhões de carros.
Na Indonésia e na Malásia, à medida que as terras férteis se tornam cada vez mais escassas, as turfeiras estão sendo queimadas, drenadas e reaproveitadas. A maioria das turfeiras da Indonésia já foram destruídas para construir plantações de óleo de palma.
O World Resources Institute (Instituto de Recursos Mundiais) estima que, na Indonésia e na Malásia, a drenagem de turfeiras resulta em emissões anuais totais iguais às de quase 70 usinas de carvão. Essas atividades também colocam em risco as populações de animais vulneráveis, como os orangotangos e várias espécies de peixes de água doce. A degradação das turfeiras devido à atividade humana é responsável por 5-10% das emissões anuais de dióxido de carbono da atividade humana, apesar da pequena pegada geográfica dessas zonas.
Quantificando o carbono das turfeiras
É difícil prever quanto carbono será liberado das turfeiras em todo o mundo, especialmente porque nenhum modelo pode representar adequadamente esses ecossistemas e os muitos fatores que influenciam seu balanço de carbono.
As turfeiras não estão incluídas na maioria dos modelos de sistemas terrestres que os cientistas usam para fazer projeções de mudanças climáticas futuras. Há uma visão antiga de que as turfeiras são jogadoras secundárias no ciclo global do carbono em uma base ano a ano, mas nosso estudo e muitos outros mostram que as mudanças climáticas e a intervenção humana estão tornando esses ecossistemas muito dinâmicos. Nosso estudo destaca a necessidade de integrar turfeiras nesses modelos; também esperamos que possa ajudar a direcionar novas pesquisas.
Mesmo que os modelos não estejam prontos, as decisões precisam ser tomadas agora sobre como gerenciar as turfeiras. É por isso que entrevistamos especialistas como um primeiro passo para prever o destino do carbono da turfa em todo o mundo.
Com base em suas respostas, estimamos que 100 bilhões de toneladas de carbono poderiam ser emitidas das turfeiras até 2100 – uma quantidade equivalente a cerca de 10 anos de emissões de todas as atividades humanas, incluindo a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento de florestas. Os especialistas que consultamos não chegaram a um consenso e nossa estimativa é altamente incerta: as mudanças líquidas no carbono da turfa nos próximos 80 anos podem variar de um ganho de 103 bilhões de toneladas a uma perda de 360 bilhões de toneladas.
Nem todas as regiões serão afetadas da mesma forma. As turfeiras de alta latitude podem ter um aumento no armazenamento de carbono, sob um clima mais quente devido ao aumento do crescimento das plantas e maior acúmulo de turfa. As turfeiras tropicais, por outro lado, têm maior probabilidade de secar e queimar devido ao aquecimento das temperaturas e à atividade humana. Esses fatores e as escolhas humanas sobre o uso das turfeiras influenciarão se essas áreas se tornarão fontes ou sumidouros de carbono no futuro.
No geral, nossos resultados sugerem que a liberação de carbono ultrapassará os ganhos de carbono nos próximos anos, principalmente por causa dos impactos humanos nas turfeiras tropicais. Esta mudança de sumidouro de carbono para fonte de carbono alimentará um ciclo de feedback positivo, com turfeiras liberando carbono, o que torna o clima da Terra mais quente, o que faz com que as turfeiras liberem mais carbono e assim por diante.
Apesar da incerteza em nossas descobertas, acreditamos que nossos resultados mostram que as turfeiras devem ser incluídas nos modelos climáticos e que as nações devem tomar medidas para preservá-las.
Rumo ao uso sustentável
Um equilíbrio deve ser alcançado entre o uso racional das turfeiras e as necessidades econômicas locais. Considerando a quantidade de carbono que as turfeiras contêm e o quão vulneráveis são, muitos especialistasacreditam que as pessoas em breve adotarão práticas mais sustentáveis para gerenciá-las. Mas outros não são tão otimistas. Em regiões como as bacias do Amazonas e do Congo, onde grandes complexos de turfeiras foram descobertos recentemente, é fundamental tomar medidas para preservá-los.
As turfeiras também devem ser consideradas em modelos de avaliação integrados que os pesquisadores usam para entender os impactos das mudanças climáticas e as opções para mitigá-los. Modelos que projetam mudanças socioeconômicas futuras e caminhos de emissão de carbono podem ajudar a desenvolver incentivos, como preços de carbono em turfeiras e práticas de uso sustentável. Isso mudaria a forma como esses ecossistemas são avaliados e gerenciados.
O primeiro passo, no entanto, é aumentar a consciência em todo o mundo sobre este precioso recurso natural e as consequências de continuar a explorá-lo.
Fonte: The Conversation / Julie Loisel
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse: https://theconversation.com/peatlands-keep-a-lot-of-carbon-out-of-earths-atmosphere-but-that-could-end-with-warming-and-development-151364