As baleias comem três vezes mais do que se pensava

Tudo começou com uma pergunta direta: quanto as baleias de barbatana comem?

Como as baleias de barbatanas – baleias jubarte, baleias francas, baleias azuis e outras – se alimentam principalmente a centenas de metros de profundidade, não podemos observar facilmente seus comportamentos. E não seria desejável, e nem possível, tentar responder à pergunta mantendo animais tão enormes (as baleias azuis, com até trinta metros de comprimento, são as maiores da Terra) em cativeiro para monitorar seus padrões diários de alimentação. Além do mais, algumas espécies comem vorazmente por vários meses, depois jejuam pelo resto do ano, o que complica ainda mais o rastreamento de sua ingestão de alimentos.

“Esta é uma questão tão básica que eu presumi que tínhamos descoberto 30, 40, 50 anos atrás, mas ninguém nunca a mediu”, diz Matthew Savoca, um pós-doutorado na Estação Marinha Hopkins da Universidade de Stanford, em Califórnia e um explorador da National Geographic.

Para Savoca, a questão ia além da ciência básica e da curiosidade ardente. A quantidade de comida das baleias de barbatanas é diretamente proporcional a quanto elas defecam. E as fezes de baleia são uma parte importante da produtividade do oceano, fornecendo energia e nutrientes valiosos para uma vasta gama de formas de vida marinha.

Recentemente, Savoca, com a ajuda de colaboradores internacionais, começou a encontrar a resposta. O grupo equipou as baleias de barbatanas – nomeadas assim devido ao material áspero em suas placas mandibulares, que prendem pequenas presas como o krill e o zooplâncton – nos oceanos Atlântico, Pacífico e Sul com tecnologia de rastreamento avançada. Eles também usaram drones para medir as concentrações de krill.

O cocô de baleia é mais importante do que você pensa

A Jubarte (Megaptera novaeangliae) e outras baleias de barbatanas excretam grandes quantidades de fezes ricas em ferro que são vitais para o fluxo do ciclo de nutrientes do oceano.

Os resultados, publicados em 3 de novembro na Nature, são impressionantes: as baleias de barbatana comem muito mais do que o estimado anteriormente. Uma baleia azul sozinha, por exemplo, come em média 16 toneladas de comida todos os dias – cerca de três vezes mais do que os cientistas pensavam.

“Este estudo mostra que as baleias de barbatanas desempenham um papel muito mais importante em nosso ecossistema do que pensávamos”, disse Sian Henley, um cientista marinho da Universidade de Edimburgo, que não esteve envolvido no estudo. Isso porque as 14 espécies conhecidas de baleias barbatanas são cruciais para mover nutrientes vitais como carbono, nitrogênio e ferro através do oceano, principalmente por meio de seus excrementos.

As novas informações, diz Henley, também “nos dizem que precisamos melhorar a proteção e gestão dos oceanos na maior escala possível, especialmente no Oceano Antártico”. As águas da Antártica são particularmente vulneráveis ​​aos impactos humanos, em grande parte por causa do aquecimento das temperaturas devido às mudanças climáticas e à pesca predatória que atrapalham a circulação normal de nutrientes, que também podem prejudicar o krill e outras fontes de alimento das baleias de barbatanas. Isso seria especialmente prejudicial, pois essas baleias ainda estão se recuperando de séculos de caça às baleias.

À medida que as baleias continuam a se recuperar, seu papel na reciclagem de nutrientes deve reiniciar o ciclo de nutrientes – e aumentar o krill – mais uma vez, diz ele.

‘Melhor que nada’

Para estimar o quanto as baleias de barbatanas comem, os cientistas analisaram previamente suas necessidades metabólicas com base em seu tamanho e nível de atividade usando um animal estreitamente relacionado ou de tamanho semelhante como referência. Por exemplo, medindo quanto as orcas (ou baleias assassinas) comem, os biólogos extrapolaram o que uma baleia jubarte ou uma baleia azul consumiria.

“Quando você analisa o comportamento, a ecologia e a fisiologia desses animais”, diz Savoca, “uma baleia azul e uma jubarte são muito, muito diferentes de uma orca”. Ele admite que a tentativa anterior é “melhor do que nada, mas não é realmente um palpite muito bom”.

Para sua investigação, a equipe de Savoca identificou 321 baleias, abrangendo sete espécies: baleias jubarte, baleias azuis, baleias-fin, baleias-comuns, baleias-de-minke da Antártica, baleias-de-bryde e baleias francas do Atlântico Norte.

Savoca descreve as tags – dispositivos equipados com acelerômetros, magnetômetros, GPS, sensores de luz, giroscópios e câmeras fixadas nas costas das baleias com cola especial – como “iPhones de baleia”. Assim como nossos telefones podem nos dizer quantos passos damos em um dia, os iPhones de baleia podem medir quantas investidas uma baleia dá e em que profundidade. As baleias de barbatanas geralmente pegam comida pulando ou acelerando na água em rajadas rápidas, horizontal ou verticalmente, com a boca aberta.

A equipe também usou drones para medir o tamanho da boca da baleia, o que permitiu calcular o volume de água que ela pode capturar durante essas investidas. Um sonar para medir a densidade do krill que vive no habitat da baleia permite que eles determinem quantos desses pequenos animais parecidos com camarões a baleia poderia engolir a cada estocada.

Somando tudo isso, eles descobriram que os animais marcados comiam de 5 a 30% do peso corporal em krill a cada dia. Estimativas anteriores sugeriam que as baleias de barbatanas consumiam menos de 5% de seu peso corporal diariamente.

Mistério da falta de krill

Essa descoberta também ajuda a resolver outro enigma, diz Savoca: por que os oceanos ao largo da Antártica não estão cheios de krill. As baleias barbatanas, os predadores primários dos minúsculos crustáceos, foram quase erradicadas durante os anos 1900, uma era de caça industrial à baleia que Savoca chama de “uma das campanhas de extermínio mais eficazes e eficientes da história da Terra”.

Embora as pessoas estejam cada vez mais extraindo krill para a alimentação dos peixes e seu óleo rico em nutrientes, essa indústria não é grande o suficiente para explicar por que as águas polares não estão transbordando dessa fonte vital de alimento para baleias, focas e muito mais, de acordo com Savoca .

No final da década de 1980, o biogeoquímico marinho John Martin levantou a hipótese de que a falta de ferro no Oceano Antártico estava limitando o número de fitoplâncton, que é uma fonte primária de alimento para o krill. Plantas e animais precisam pouco de ferro, mas não podem sobreviver sem ele.

Experimentos subsequentes mostraram que as fezes de baleia são alguns dos materiais mais ricos em ferro do oceano. Junto com a poeira do Deserto do Saara e outras fontes terrestres, esta fonte de ferro formou a espinha dorsal do ciclo do ferro do Oceano Antártico. Ao comer, digerir e eliminar o krill, as baleias retiram o ferro das profundezas do oceano e o trazem para a superfície com suas fezes flutuantes, tornando-o utilizável para o pequeno fitoplâncton, a principal presa do krill. Mais fezes criam um ciclo de retorno positivo, pois mais fitoplâncton significa mais krill, que pode suportar mais baleias.

Com as populações de baleias de barbatanas antárticas, especialmente as baleias-fin e de minke, ainda aumentando, faz sentido que o krill ainda não tenha se recuperado, diz Savoca. Mas há sinais positivos: o número de baleias jubarte no oeste do Atlântico Sul aumentou para 25.000, de apenas 450 em meados do século 20.

Não tão simples

Emma Cavan, biogeoquímica marinha do Colégio Imperial de Londres, elogia o estudo, mas aponta que é “uma solução muito simples” dizer que “os números do krill estão baixos só porque o número das baleias está baixo”. As alterações climáticas e a pesca também desempenham o seu papel.

Por exemplo, o clima está mudando mais rapidamente nas regiões polares e as mudanças resultantes – como águas mais quentes e mais ácidas – podem reduzir as populações de fitoplâncton.

Mesmo assim, diz Cavan, o estudo é um forte lembrete de que oceanos saudáveis ​​precisam de baleias – e de seus resíduos.

Fonte: National Geographic/ Carrie Arnold
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse:
https://www.nationalgeographic.com/animals/article/whales-eat-three-times-more-than-thought