O que a vitória-régia pode nos ensinar sobre projetos de construção

A vitória-régia há muito fascina cientistas, arquitetos e artistas por sua beleza e tamanho. No entanto, como as folhas são capazes de crescer até 3 metros de largura, fortes o suficiente para suportar o peso de uma criança pequena, permaneceu um mistério⁠ – até agora.

Uma equipe de cientistas britânicos e franceses que estudam a mecânica dessas folhas gigantes documentou uma rede de veias ramificadas, semelhantes a vigas, otimizadas para resistência e suporte estrutural. Sua pesquisa, publicada em fevereiro na Science Advances, pode transformar o que Chris Thorogood, vice-diretor do Botanic Garden & Arboretum (Jardim Botânico e Arboreto) da Universidade de Oxford, chama de “um grande enigma botânico” em um guia que pode inspirar uma melhor engenharia e design em edifícios, particularmente em estruturas flutuantes.

“O que mostramos por meio de nossos experimentos empíricos e modelagem matemática foi que essas folhas são excepcionalmente fortes e têm uma flexibilidade rígida que lhes permite crescer muito”, diz Thorogood, autor sênior do estudo.

Veias inspiradoras

De cima, a folha a vitória-régia lembra um grande prato verde com a borda virada para cima. A fonte tanto de sua beleza quanto de sua força é vista apenas de baixo.

“Quando tiramos as folhas da lagoa aqui, e o público as vê, eles realmente ficam boquiabertos com a beleza das folhas”, diz Thorogood. “Elas são incrivelmente lindas.”

A parte inferior da folha é inteiramente coberta por uma rede fractal de veias espinhosas que se irradiam do caule central. As nervuras principais tornam-se mais finas e se dividem em ramos à medida que se aproximam da borda da folha. Elas são cruzadas em intervalos regulares por outras veias que formam círculos concêntricos e são exclusivos deste gênero de planta. O efeito geral é impressionante: uma intrincada teia de veias amarelas contra o verde escuro ou vermelho da folha. (Existem duas espécies irmãs de vitória-régia com cores diferentes na parte inferior).

A vitória-régia foi descoberta por exploradores britânicos na América do Sul em 1801. Rapidamente ganhou popularidade na Inglaterra vitoriana, onde seu nome de gênero, Victoria, foi dado em homenagem à jovem rainha Victoria, e a planta se tornou um símbolo do Império Britânico.

Mas tornou-se mais do que um símbolo, pois os botânicos tentaram repetidamente cultivá-la em cativeiro. “Era uma obsessão”, escreve Tatiana Holway em seu livro, The Flower of Empire (A Flor do Império). “Absorvendo alguns dos homens mais eminentes e empreendedores da era vitoriana, o esforço para recuperar este exótico inigualável das selvas equatoriais onde cresceu e cultivá-lo na Inglaterra tornou-se uma busca épica que cativou o mundo.”

O jardineiro e arquiteto britânico Joseph Paxton foi o primeiro a cultivar com sucesso uma vitória-régia. O que inspirou o projeto do Crystal Palace, um marco londrino de ferro fundido e vidro que foi construído para a Grande Exposição de 1851 (e depois destruído pelo fogo).

“A natureza foi a engenheira”, disse Paxton em um discurso de 1850 para a Royal Society of Arts. “A natureza dotou a folha de vigas e suportes longitudinais e transversais que eu, tomando emprestado dela, adotei neste edifício.”

Paxton tinha uma compreensão intuitiva dos pontos fortes da vitória-régia, mas só agora Thorogood e seus colegas descobriram os detalhes mecânicos.

Testando uma folha

Vestidos com pernaltas impermeáveis, os pesquisadores andaram dentro do grande lago aquecido no Jardim Botânico da Universidade de Oxford para medir experimentalmente como as folhas respondem ao peso.

“Oh meu Deus, eu estava procurando essa oportunidade de ir em um lago e encostar em uma vitória-régia”, diz Finn Box, pesquisador de mecânica de fluidos da Universidade de Manchester e principal autor do estudo. “Foi muito divertido.”

Para crescer até três metros de largura, muito maior do que qualquer outra planta, a vitória-régia precisa ser forte. O tecido da folha entre as nervuras tem apenas cerca de um milímetro de espessura. A água em que a folha flutua suporta seu peso, mas ela precisa suportar a chuva de uma tempestade tropical ou o peso de um pássaro caminhando sobre ela sem ser triturada e submersa.

“Uma vez que uma folha é submersa, ela perde seu espaço na superfície onde pode fotossintetizar”, diz Box.

O segredo da vitória-régia é seu sistema vascular proeminente, uma inovação biológica que as plantas flutuantes menores não possuem: eles se assemelham a discos planos com veias finas e são quase imperceptíveis.

Box e seus colegas mediram a força da vitória-régia por meio de uma série de testes de estresse. Primeiro, eles separaram uma folha de um metro de comprimento do caule que a ancora na lama abaixo e arrastaram a folha até a beira do lago. Eles cuidadosamente evitaram os espinhos ferozes de um centímetro de comprimento que cobrem a parte inferior e protegem a folha contra os peixes mordiscando.

Com uma câmera, eles registraram o quanto cada folha foi recuada e deformada quando pressionada ou colocada um peso sobre ela. Esses testes de estresse mostraram que as folhas da vitória-régia tem ordens de magnitude mais rígidas e, consequentemente, mais fortes do que as folhas menores encontradas em outras espécies da plantas flutuantes mais comuns.

Usando modelos de computador e uma amostra de teste impressa em 3D, a equipe de pesquisa testou sua hipótese de como as plantas amazônicas o fazem. Eles descobriram que as veias ramificadas da vitória-régia, que começam muito grossas perto do centro e afunilam em direção à borda da folha, distribuem o peso da folha uniformemente. Elas enrijecem e sustentam a folha enquanto permitem que ela rebote elasticamente quando é deformada, digamos, pela pata de um pássaro – e o fazem de maneira muito eficiente.

O que há para a vitória-régia – e para nós

A vitória-régia prospera em partes sazonalmente inundadas da Bacia Amazônica, onde tem cerca de seis meses para crescer antes que a água desapareça novamente. Durante esse período, suas folhas gigantes e grandes permitem que ela absorva a quantidade máxima de luz solar.

As veias que cercam as folhas permitem essencialmente que a vitória-régia cubra mais área de superfície para a fotossíntese, usando menos biomassa. Em comparação, folhas de plantas flutuantes comuns e menores simplesmente não podiam suportar tanto peso.

“Quanto maior sua área de superfície, mais fotossíntese você pode fazer”, diz Box. “Essa economia entre a matéria vegetal e a capacidade de fotossíntese é obviamente importante para elas.”

Os humanos já desenvolveram aplicações biomiméticas inspiradas em plantas, como o velcro de rebarbas de plantas de bardana e superfícies autolimpantes de folhas de lótus. A percepção de uma folha grande e flutuante não é tão absurda; além de melhorar o projeto de estruturas flutuantes, poderia desbloquear novos projetos econômicos para turbinas eólicas offshore ou mesmo sociedades flutuantes. Em 2008, o arquiteto belga Vincent Callebaut projetou uma cidade flutuante com base na estrutura da folha da vitória-régia chamada “Lilypad – a Floating Ecopolis for Climate Refugees” (Vitória-régia – uma ecópole flutuante para refugiados climáticos).

“Talvez o que nós, engenheiros, possamos aceitar seja: ‘ei, alguém já pensou em ramificar vigas ou vigas com seções transversais variadas?’”, pergunta Box. “Suponho que talvez você tenha progredido quando precisa voltar ao seu próprio mundo e pensar em algumas das coisas que encontrou enquanto estava no mundo biológico.”

Há algo de poético na ideia de humanos um dia usarem painéis solares flutuando placidamente em uma plataforma inspirada na vitória-régia para coletar o máximo de sol possível – assim como a planta faz há milhões de anos.

“É uma ideia semelhante”, diz Box. “Então, por que não podemos aprender com exemplos naturais que evoluíram para uma solução ideal?”

Fonte: National Geographic / Richard Sima
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse:
https://www.nationalgeographic.com/environment/article/what-a-huge-lily-pad-can-teach-us-about-building-design