Pássaros estão se chocando contra os edifícios da cidade de Nova York em número recorde

Em caixas e em agasalhos, de bicicleta e metrô, os nova-iorquinos estão levando pássaros feridos ao único centro de reabilitação de animais silvestres da cidade.

Pássaros resgatados em uma unidade do centro Wild Bird Fund em Nova York, a única instalação de resgate e reabilitação de animais silvestres da cidade. Nos dias 2 e 3 de outubro, o centro recebeu uma quantidade recorde de aves que se feriram após se chocar contra o vidro durante a migração pela cidade.
FOTO DE JEFFERY JONES

Quando Genevieve Yue trouxe um pombo ferido ao Wild Bird Fund, centro de reabilitação de aves silvestres, em Manhattan, há alguns dias, ficou surpresa ao encontrar uma fila do lado de fora.

“Um casal na minha frente estava com um pássaro enrolado em um agasalho. Outras pessoas resgataram pássaros em caixas da Amazon. O meu levei em um saco de comida para viagem que tinha comprado”, contou ela. Um pedestre perguntou se aquela fila era para a sorveteria.

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Yue havia encontrado o pombo ferido na calçada em seu bairro Lower East Side e notou que o pássaro precisava de socorro. “Tenho grande afeição por pombos. Meu coração fica partido quando vejo pessoas tratando-os como pragas”, lamentou ela. Ela forrou o saco de papel com uma fralda extra de seu filho de dois anos, pegou carona em um Lyft e foi sentido norte até o Wild Bird Fund no Upper West Side.

É uma pequena operação sem fins lucrativos encarregada de atender toda a cidade de Nova York. “É como um pronto-socorro das aves”, conta Yue. “Nossas pequenas ambulâncias são basicamente sacos de compras de papel e caixas de sapatos.” Todos na fila sentiram uma conexão mútua por causa de seus pequenos resgates. “Começamos a conversar imediatamente. De onde veio o seu pássaro? E onde encontrou o seu? Quer ver o meu?’”

Ela não sabia na época que estava ocorrendo uma onda de colisões de aves em Nova York. Entre sexta-feira, 2 de outubro, e sábado, 3 de outubro, o Wild Bird Fund recebeu um recorde de 220 aves feridas, três quartos das quais eram pássaros migratórios incluindo a espécie Setophaga americana, a mariquita-de-mascarilha e muitas espécies de passeriformes.

Um chapim-de-cabeça-negra se esconde em um galho na “sala de preparação para soltura” do Wild Bird Fund, onde os pássaros mais saudáveis ficam pouco antes de estarem prontos para serem soltos. O recinto fica no porão do centro e recebe iluminação de lâmpadas solares durante o dia para imitar a luz natural. Há galhos vivos para os pássaros pousarem e larvas de bicho-da-farinha disponíveis para alimentação.
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Tristan Higginbotham, reabilitador de aves silvestres do Wild Bird Fund, cuida de uma mariquita-de-mascarilha ferida. Estima-se que até um bilhão de aves morram anualmente nos Estados Unidos após bater em vidros durante a migração. No Wild Bird Fund, cerca de metade das aves se recuperam. A maioria das mortes é decorrente de concussões.
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A migração anual de inverno de aves norte-americanas para o sul começou há algumas semanas e, com a migração, vêm sempre as colisões. Cientistas da Audubon, ONG da cidade de Nova York, estimam que até 240 mil aves morrem anualmente devido a colisões na cidade. Em todo o país, estima-se que a quantidade alcance a impressionante cifra de um bilhão.

Rita McMahon, fundadora e diretora executiva do Wild Bird Fund, afirma que as aves migratórias passam por Nova York (e Washington, D.C., Filadélfia, Boston e muitas outras grandes cidades da Costa Leste que compõem a rota de migração do Atlântico) e colidem com os vidros em edifícios. Luzes interiores atrás das janelas confundem as aves que migram à noite, perturbando sua capacidade de navegação e atraindo-as em direção à luz. Durante o dia, janelas refletem as árvores e o céu, criando um obstáculo invisível. Voar entre janelas de vidro é um campo minado para qualquer ave, mas a maioria das que se acidentam são “novatas”, afirma McMahon — têm menos de um ano de vida e nunca migraram por uma cidade.

A colisão de aves contra vidros não é um problema recente. E, apesar do número recorde de pássaros trazidos ao Wild Bird Fund no último fim de semana, não há nenhum indicativo de ter havido um agravamento em Nova York. Não significa que houve aumento nos acidentes com aves, explica McMahon. Na verdade, mais pessoas estão ajudando.

“Há maior conscientização sobre nosso trabalho. As pessoas vêm de muito longe, da periferia do Brooklyn ou de Rockaway Beach. Podem demorar duas horas para chegar até nós”, conta ela. “Se puser um pássaro no bolso ou em um saco de papel, poderá salvar a vida dele. Caso contrário, ele vai morrer de hipotermia na calçada.”

Desde abril, o centro tem acolhido mais animais feridos do que no mesmo período do ano passado. “Acredito que seja um lado positivo da covid. As pessoas estão valorizando mais a natureza. Estão mais atentas a aspectos que nunca haviam notado. É muito animador e reconfortante saber que os nova-iorquinos têm tamanha compaixão”, afirma ela.

O sabiá-de-óculos descansa em um galho dentro de um cesto macio —abrigo temporário para as aves em recuperação no Wild Bird Fund. A equipe geralmente utiliza cestos de roupa para abrigar seis pássaros em cada um. No último fim de semana, quando receberam um recorde de 222 pássaros feridos, uma única sala no centro continha 20 abrigos feitos desses cestos.
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Um fim de semana especialmente ruim

McMahon e seus colegas aguardavam a chegada das aves. Funcionários e voluntários acompanham os relatórios do radar do birdcast.info, site que indica a passagem de migrações noturnas de aves. Observadores de pássaros utilizam o site para identificar oportunidades de avistamento; socorristas de pássaros o utilizam para localizar possíveis tragédias.

Na noite da quinta-feira, 1o de outubro, o radar previu uma migração de alta intensidade sobre todo o país. Calista McRae, patrulhadora voluntária de aves feridas e mortas na maioria das manhãs durante o ano, preparou sacos de papel (para aves feridas) e sacos plásticos de quase 4 litros (para as mortas).

“Quando cheguei ao primeiro prédio na manhã de sexta-feira, havia 30 aves caídas do lado, algumas vivas, outras mortas.” Ela contornou o prédio e encontrou mais 40. Ela passou várias horas na sexta-feira e no sábado recolhendo aves. Ao todo, recolheu 333 aves — 231 mortas e 102 feridas, que foram levadas ao Wild Bird Fund.

“Sabíamos que haveria muitas, mas não esperávamos tamanho extermínio”, afirma McMahon. O Wild Bird Fund publicou um apelo no Twitter, pedindo a voluntários para ajudar a transportar as aves à instalação. Um casal encheu o carro com 50 aves; uma mulher levou duas aves de bicicleta e quatro outras foram trazidas de metrô.

Higginbotham ri quando um pica-pau-mosqueado pula em sua cabeça. Higginbotham é reabilitadora de animais, uma dos 12 profissionais que atuam da organização sem fins lucrativos que cuida de aves feridas. Quando as aves chegam ao centro, os funcionários avaliam sua saúde e classificam a gravidade das lesões para posterior tratamento.
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No Wild Bird Fund, os pacientes passam por uma triagem ao chegar. Cada ave é avaliada individualmente e a equipe as divide em categorias de acordo com a gravidade das lesões. Se uma ave começa a pular, é deixada na sala de “preparação para soltura”, onde pode voar, ficar empoleirada e é monitorada por 24 horas. Contudo a maioria das aves são mantidas em cestos de roupa feitos de pano, ficando entre seis e oito aves por cesto, onde há pequenos poleiros. No fim de semana passado, segundo McMahon, havia 20 cestos de roupa em uma única sala. Aves gravemente feridas são mantidas em incubadoras em uma sala silenciosa que serve como unidade de terapia intensiva.

Todas são alimentadas com larvas. As menores são ideais para que as aves não batam a cabeça com uma possível concussão ao tentar partir uma larva grande. No último fim de semana, as larvas no centro esgotaram e voluntários percorreram lojas de animais por toda a cidade, acabaram encontrando mais de trinta tonéis de larvas.

Das 220 aves que chegaram, 90 morreram ou foram sacrificadas. Mais de cem se recuperaram; muitas já foram soltas. Quando as aves se recuperam, voluntários as soltam no parque Prospect Park e em outros locais no Brooklyn, onde podem voar sentido sul — sobrevoando a água e longe da cidade. “Não sabemos o que acontece depois, mas se pudermos garantir que não passarão por mais nenhum edifício este ano, há mais chance de sobreviverem”, afirma McMahon.

Recolhendo aves mortas para evitar mais aves mortas

Em dezembro, a prefeitura de Nova York aprovou uma lei que determina que todo edifício recém-construído deve utilizar vidros à prova de aves. É uma boa medida, afirma McMahon, mas não se aplica aos prédios já existentes. Há vários que representam grandes riscos especialmente para as aves, como os prédios 3 e 4 do World Trade Center e, a um quarteirão de distância, o Brookfield Place. “É um centro espelhado muito convidativo para as aves”, afirma McMahon.

Colisões com vidros não são um problema exclusivo do centro da cidade: quase 45% das colisões ocorrem em prédios baixos, segundo a Audubon, ONG da cidade de Nova York.

É fácil e barato readequar construções que sejam seguras para as aves, ressalta McMahon. Embora algumas formas baratas de prevenção como a colocação de redes não sejam esteticamente agradáveis, outras estratégias comuns incluem adesivos em janelas, películas protetoras contra raios UV em janelas (invisíveis aos humanos, mas claramente visualizadas por diversas espécies de aves); e até cortinas simples. À noite, algo tão simples como apagar as luzes visíveis de fora do prédio pode ser uma medida eficaz, segundo a organização sem fins lucrativos American Bird Conservancy. Em edifícios novos, decisões sobre o tipo de vidro da janela, a posição e a quantidade de janelas e o estilo de iluminação externa podem fazer muita diferença.

Pássaro da espécie Setophaga pinus se alimenta de uma larva de bicho-da-farinha na sala de preparação para soltura. As larvas de bicho-da-farinha são o principal alimento das aves resgatadas no centro e assim, em 3 de outubro, quando as larvas esgotaram no centro, voluntários correram para procurar mais de trinta tonéis de larvas em lojas de animais da cidade de Nova York.
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Reunir dados sobre acidentes com aves perto de um determinado edifício e entrar em contato com a administração sobre métodos de prevenção também são fatores importantes nessa equação, afirma McMahon. É o que motiva McRae a sair e recolher corpos de aves mortas pela manhã, registrando onde e quando foram encontradas.

“Se um proprietário de um prédio souber que seu prédio matou 350 pássaros no outono entre 6 e 9 da manhã — poderá refletir sobre como evitar isso”, é mais provável que uma abordagem assim deixe um impacto, diz ela.

Voluntariar-se para contar, recolher e resgatar aves feridas é uma ótima maneira de incentivar as pessoas a ajudar, especialmente em tempos tão turbulentos, afirma McMahon.

Yue, que resgatou o pombo, conta que sentiu um senso de propósito. Ela afirma que pratica o distanciamento social rigorosamente e, por isso, foi bom estar em um espaço público sem que a pandemia seja o assunto principal. “É como se estivéssemos todos em uma missão. Todos praticaram uma boa ação”, disse ela.

Após a entrada de seu pombo no centro de reabilitação, ela chorou atrás da máscara enquanto partia. “Foram vários sentimentos ao mesmo tempo. Fiquei comovida por encontrar um comportamento humano assim — ao ver um homem segurar um passarinho nas mãos — mas também me senti tão angustiada por existir tanta dor e sofrimento”, desabafa ela. “Foi uma espécie de libertação. Há tanta dor, mas também tanta dedicação.”

O pombo de Yue estava com a coluna quebrada e teve de ser sacrificado. Às vezes, “interromper o sofrimento é tudo o que está ao nosso alcance”, afirma McMahon, que cuidou pessoalmente do pássaro. O que Yue fez “foi um grande gesto”, afirmou ela.

Fonte: National Geographic Brasil