Geralmente, as lulas não são consideradas progenitores amorosos — principalmente os machos, que tendem a acasalar e ir embora. Por esse motivo, cientistas ficaram surpresos ao descobrir o que poderia ser a primeira evidência de cuidado paterno apresentado por uma pequena lula brilhante da espécie Sepioteuthis lessoniana, encontrada em todos os recifes de coral.
Os machos dessa espécie competem agressivamente pelas fêmeas e, quando um macho maior acasala com uma fêmea, ele geralmente fica por perto para evitar que outros machos se acasalem com ela. Quando a fêmea está pronta para botar seus ovos fertilizados, ela procura uma fenda de coral protegida de correntes e predadores e deposita seus ovos diversas vezes no mesmo local. O macho continua a protegê-la por um curto período após a desova e então vai embora, presumivelmente para encontrar outras fêmeas para acasalar.
Porém, em mergulhos recentes no Mar Vermelho do Egito, o biólogo Eduardo Sampaio observou algo estranho: um macho dominante, que já havia acasalado com uma fêmea, assusta seus rivais agitando seus tentáculos e fazendo sua pele assumir uma coloração branca com listras pretas. Em seguida, ele deixa a fêmea por alguns instantes, nada até uma fenda de coral que possivelmente pode ser usada para a desova e retorna.
“Não tínhamos certeza do que ele estava fazendo. Era algo que nunca tínhamos visto antes”, conta Sampaio, doutorando da Universidade de Lisboa, em Portugal, e do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, na Alemanha.
Quando ele descreveu o ocorrido para Samantha Cheng, cientista de biodiversidade no Museu Americano de História Natural, na cidade de Nova York, ela contou que havia registrado o mesmo comportamento entre lulas S. lessoniana machos na Indonésia, em 2013. No entanto, na literatura científica, não havia descrição do comportamento em lulas, polvos ou outros cefalópodes.
Em um novo artigo publicado na revista científica Ecology, Sampaio e Cheng detalham o comportamento e apresentam uma teoria de que seja um exemplo de cuidado paterno — algo nunca antes observado em lulas. A busca, pelo macho, por um local que possa servir como ninho antes de a fêmea depositar seus ovos é comum entre espécies monogâmicas, mas o cuidado paterno de qualquer tipo entre cefalópodes é extremamente raro.
Embora os cientistas afirmem que ainda não compreendem totalmente o fenômeno, a descoberta pode mudar o que os cientistas sabem sobre a reprodução das lulas. Revela que a dinâmica entre os machos e as fêmeas desses animais é “muito mais complexa do que pensávamos. Ainda temos muito a aprender”, afirma Sampaio.
Lulas machos se dedicam a seus genes
Os cientistas compararam as imagens do vídeo de Cheng, obtidas na Indonésia, com as de Sampaio, capturadas no Egito, e concluíram que a busca por um local de desova foi intencional, e não uma ocorrência aleatória. Eles também notaram que, em alguns casos, enquanto a fêmea era deixada sozinha, outros machos se aproximavam sorrateiramente e acasalavam com ela.
Mas por que o macho deixaria sua parceira? Ausentar-se mesmo que por um curto período dá a outros machos a chance de acasalar com ela. Deixar a fêmea sozinha é uma ameaça ao seu sucesso reprodutivo, então os pesquisadores concluíram que deveria haver um bom motivo para isso.
Como os cientistas não observaram o que realmente acontece na fenda de coral, o macho poderia estar “limpando a área, certificando-se de que é uma boa superfície para desova, verificando se não há outro macho — ou predador — à espreita, e que é um local seguro para os ovos”, explica Sampaio.
Tudo isso sugere que a lula S. lessoniana macho se dedica à transmissão de seus genes com muito mais afinco do que se pensava.
Nas lulas — e nos cefalópodes em geral — as fêmeas costumam cuidar dos ovos até que eclodam, limpando-os com seus braços e utilizando os braços e o sifão para aumentar o fluxo de água ao redor dos ovos, fornecendo mais oxigênio. Os machos não desempenham nenhum papel. Em muitas espécies, a fêmea morre após a eclosão dos ovos.
O especialista em cefalópodes Fernando Ángel Fernández-Álvarez, pesquisador de pós-doutorado no Conselho de Pesquisa da Irlanda e na Universidade Nacional da Irlanda, em Galway, comenta que está igualmente surpreso com a descoberta.
“Nunca vi esse tipo de comportamento em cefalópodes”, salienta Fernández-Álvarez, que não participou do estudo, mas acredita que as descobertas sejam robustas. “Os machos [dominantes] geralmente não se deslocam para longe da fêmea, pois outro macho poderia acasalar com ela.”
Que outros estudos podem ser desenvolvidos no futuro?
O novo estudo ressalta a importância de aprofundar o conhecimento sobre o acasalamento de cefalópodes na natureza, ressalta Fernández-Álvarez.
“A maior parte das informações que possuímos sobre o comportamento dessa espécie é proveniente de estudos em aquários”, diz ele, e é possível que esses ambientes artificiais sejam simples demais para incentivar os animais a buscarem por locais específicos para a desova.
Agora, Sampaio e Cheng estão em contato com outros cientistas para descobrir se lulas S. lessoniana em outras partes do mundo apresentam esse comportamento reprodutivo.
“O maior desafio de estudar espécies que vivem em uma área tão extensa é obter uma amostra abrangente e representativa. Ao unir forças com outros cientistas, podemos conseguir tempo e recursos para realizar um estudo global de forma colaborativa”, observa Cheng.
Independentemente dos resultados de novos estudos, não há dúvida de que as lulas — e provavelmente outros cefalópodes — têm comportamentos de acasalamento mais complexos do que jamais imaginamos.
“Quanto mais aprendemos sobre as lulas, mais maravilhados ficamos com suas complexidades e peculiaridades”, conclui Sampaio.
Fonte: National Geographic Brasil